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​O Contraditório E Ampla Defesa Como Garantia De Alegações Finais Apresentadas Por Ultimo Pelo Delatado.

Por Emanuel José Rodrigues de Freitas

Durante esta manhã, tive a oportunidade de acompanhar a sessão de julgamento do Habeas Corpus n.º 166.373 perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Interessei-me pela temática, uma vez que diversos amigos e colegas juristas estavam se valendo dos argumentos suscitados por alguns ministros, quando da prolação de seus votos.

Importa salientar que o conteúdo do suso mencionado writ versava sobre o momento adequado para que réus colaboradores (vulgo “delatores”) e réus não colaboradores apresentassem suas alegações finais, seja na modalidade oral (artigo 403, caput do CPP), ou, ainda, na forma de memorial (art. 403, § 3º do CPP), isto é, se os acusados delatores deveriam apresentar suas alegações antes dos réus delatados, ou, ainda, mediante prazo processual comum.

Ao momento em que alguns ministros da Suprema Corte proferiam seus votos, tornou-se possível e seguro aferir que muitos deles adentravam em matérias pouco relevantes, fornecendo mais explicações com fundamento em matérias fáticas do que em matérias de direito, essa última de responsabilidade exclusiva dos órgãos de superposição e do Supremo Tribunal Federal. Sendo assim, pouco foi elucidado sobre o ponto principal da temática a ser apreciada.

Desta feita, há de se observar que, muito embora estejamos dentro de um processo penal rígido, temos dois sujeitos processuais com características completamente distintas e que, recentemente, ganharam uma valoração singular, mormente em razão da entrada em vigor da Lei n.º 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas).

O primeiro deles é o réu delator que, de qualquer modo, contribuiu efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo em si, nos termos do artigo 4º, caput da Lei n.º 12.850/2013.

O segundo, por seu turno, é aquele que foi delatado. Em que pese a legislação não traga qualquer definição para esse, preferimos interpretá-lo como aquele que sofre as acusações e os apontamentos do réu delator e que, por óbvio, possui o encargo de se defender de tais imputações.

Observe, nobre leitor, aqui estamos diante de alguém que outrora estava sentado no banco dos réus, mas que agora passa a ser aliado do órgão ministerial. Importa mencionar que o intento do presente artigo de opinião não é apreciar a ética por trás da colaboração, afinal de contas, exigir “ética no crime” é algo absurdo, sendo tal discussão desprovida de qualquer conteúdo dotado de relevância.

Desse modo, as colaborações fornecidas pelo réu delator passam a ser vistas como “meio de obtenção de provas” para o Parquet, nos termos do próprio artigo 3º da Lei n.º 12.850/2013. Permito-me ir além, dizendo que não só para o Ministério Público, mas, também, para os demais sujeitos da situação jurídica em si.

Você pode estar se perguntando, todavia, se o colaborador seria uma “testemunha dedo duro”. Quando essa perguntar lhe vier à mente, diga em alto e bom som que não.

Delatar, caro leitor, é algo completamente distinto de testemunhar. Testemunhar é prestar informações sobre fatos presenciados ou não sobre o delito do qual não participou. Delatar é algo mais complexo, é, além de reconhecer sua culpa no fato, trazer à tona a autoria de outros que ainda restava incerta. Noutras palavras, delatar é assumir a culpa de um ilícito e dizer com quem, onde, quando e em que circunstâncias se deu tal prática.

Com efeito, a partir do momento em que alguém resolve colaborar com o processo, ele tem um interesse muito próximo ao do Ministério Público, visto que por vezes, na prática, a aplicação dos benefícios concedidos na colaboração premiada (elencados pelo artigo 4º, caput da lei 12.850/13) estão condicionados a efetiva condenação do (s) corréu (s).

Em decorrência disso, o único resultado esperado pelo colaborador é sua efetiva condenação, bem como a dos demais réus, nos termos do acordo celebrado, ou seja, o colaborador não precisa se defender diretamente na ação penal, mas tão somente manter seu acordo para obter sucesso dentro dela.

Sendo assim, se o colaborador atua como assistente de acusação não formal; se deixa a cadeira dos réus para se sentar ao lado do Parquet; se atua como sujeito processual que aponta o dedo ao acusado, assim como o membro do Ministério Público; por que não ter sua fala, isto é, sua sustentação exposta aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, além do devido processo jurídico?

Vale dizer, muitos me perguntam onde está positivado ou previsto que o delatado deve se pronunciar depois do colaborador. Respondo, isso está positivado na Constituição Federal, quando essa instituiu, em seu artigo 129, inciso I, a preferência pelo sistema acusatório, corroborando princípios como do contraditório e ampla defesa.

A própria doutrina já se posicionou a respeito do assunto, dizendo que é possível violar contraditório sem violar a ampla defesa, isto é, podemos ter contraditório sem ampla defesa e ampla defesa sem contraditório.

Não custa notar que o princípio da ampla defesa se revela sob duas formas. Uma se refere especificamente ao interesse do réu em defender-se das acusações às quais é submetido, quando o princípio assume a feição de um direito; e a outra, que se relaciona diretamente com o princípio da publicidade, possuindo caráter fiscalizador da existência do devido processo legal, e que por isso pode ser entendido como uma garantia.

Nesse prisma, a interpretação doutrinária é pacífica e extrai-se dessa que o acusado tem o direito de ser ouvido após a produção de absolutamente todas as provas, assim como na Itália, Espanha, Alemanha, dentre outros países desenvolvidos. Podemos ir além, caro leitor, dizendo que tais definições se amoldam ao princípio do Devido Processo Legal, previsto na Constituição Federal (Art. 5º, inciso LIV).

Por óbvio, o Código de Processo Penal não irá dizer algo a respeito, pois encontra-se defasado. Já a inércia da lei 12.850/2013 justifica-se, a meu ver, pois trata-se, preponderantemente, de direto material, não de Direito Processual.

A pergunta é muito simples, alguém consegue imaginar alguma prova apresentada dentro do processo penal, que possa levar a condenação do acusado, não ser exposta ao crivo do contraditório e da ampla defesa? A resposta certamente será negativa.

Não se pode dizer na defesa deste argumento, que haveria o peso da garantia de impunidade do acusado que responde ao processo penal, pois, se observarmos com olhos atentos, notaremos que não se trata de prazo maior para a apresentação de memoriais.

Estamos tratando aqui, caro leitor, do simples ato de inverter a ordem de apresentação dos memoriais apresentados pelas defesas, exigindo-se, assim, que o acusado que não firmou acordo de colaboração premiada, tenha o direito de apresentar seus memoriais após o Ministério Público, bem como após o réu delator.

Ainda que tal argumento bebesse de uma fonte não falaciosa, nos parece desproporcional debruçar toda a responsabilidade do Estado em entregar uma tutela definitiva e satisfatória em tempo razoável dentro do processo, ao simples fato de se adicionar cinco dias para a apresentação de memoriais, alegando a certeza da ocorrência de prescrição.

Precisamos entender, acima de tudo, que legislações como, por exemplo, a Lei do Crime Organizado e a Lei Anticorrupção vieram para aprimorar a atuação Estatal contra a criminalidade organizada, sobretudo, dos crimes de colarinho branco. O Direito Processual Penal, no entanto, não pode ser analisado sob o prisma do direito material, pois, se um é o caminho para efetivação do outro, não podemos analisa-los em apartado.

Entendemos, portanto, nobre leitor, que o réu delatado possui o direito de se manifestar posteriormente a produção de toda e qualquer prova, inclusive em sede de alegações finais, sendo que a retirada deste direito implica mácula ao devido processo jurídico, à ampla defesa, ao contraditório, além do geral e preponderante sistema acusatório constitucional.

Emanuel Rodrigues é Acadêmico de Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás em 8° período, estagiário da 6° Promotoria de Justiça de Aparecida de Goiânia, presidente da Liga acadêmica de Ciências Penais da PUC-GO, pesquisador em Direito Penal e Processual Penal pela PUC-GO.

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