O criminalista e sua função transcendente 10/06/2018
Antes de interpretar um personagem, o ator busca conhecer qual função ele desempenhará, pois é preciso conhecer o norte que o guia, é preciso, sobretudo, ter ciência do efeito que o papel a desempenhar surtirá naquele universo fictício. Com o advogado criminalista o método não pode ser diferente. Imprescindível que o criminalista tenha em mente qual a função da sua profissão, qual o efeito que ela surtirá no universo real, no dia a dia da vida em sociedade.
Advogar na área criminal sem um propósito maior e ad aeternum é condenar-se ao fracasso. Sem propósito, o fracasso pessoal e profissional hão de chegar. O vazio e a falta de sentido que um trabalho sem ideal proporciona são capazes de levarem bons profissionais a repensarem se vale a pena continuar com a atividade diária que optaram por desenvolver.
Grandes criminalistas, profissionais que somam décadas de experiências, são unânimes ao descreverem o papel que o advogado criminalista representa não para o seu cliente, mas, sim, para a sociedade. Atacar ilegalidades e arbitrariedades é o consenso dos colegas e lhes dou razão, sem dúvida. Todavia, ouso acrescentar algo à resposta dos colegas.
Nos primeiros parágrafos escrevi a respeito da necessidade de haver um propósito que transcenda à atividade laboral, e é a respeito deste ponto que acrescento à resposta dos colegas. Enxergo na atividade do criminalista a função primacial de defender o indivíduo contra o poder estarrecedor do Estado no que concerne a acusar, processar e condenar seus governados. Explico.
O Estado possui condições infinitamente superiores às de um acusado para instruir um processo, afinal, o dinheiro do Estado praticamente não tem fim – e que sai do bolso daqueles que são processados – e ele ainda possui como empregados profissionais de todas as áreas necessárias para se provar um ponto de vista. –Sim, um ponto de vista. Quando o Estado, por meio do Ministério Público, oferece denúncia contra alguém, é por ter um ponto de vista e este pode estar equivocado, afinal, se assim não o fosse, sentenças absolutórias não existiriam. – Ainda que diante da desproporcional fonte de financiamento para desenvolver o trabalho, cabe ao criminalista fazer o possível para que os direitos e garantias de um indivíduo não sejam jamais violados, protegendo o ser humano sob o seu patrocínio de ser esmagado pelo Estado.
É necessário que todo advogado criminalista tenha em mente que, ao defender um cliente, por mais pobre, sem escolaridade, sem cultura, sem influência, enfim, por mais que seja um cliente que não lhe trará os holofotes da imprensa e/ou a ascensão da carreira, o advogado está a defender toda a sociedade. Sim. Quando não permitimos, por meio de nosso trabalho, que um único indivíduo, por mais socialmente insignificante que seja, sofra injustiça por parte do Estado, passamos à sociedade a mensagem de que ninguém sofrerá injustiças. Afinal, quando o réu descrito nas linhas acima é condenado de maneira injusta, é aberto um precedente para que qualquer um também seja.
Proteger os indivíduos contra o poder do Estado é o que transcende ao nosso trabalho, é a missão mais importante do advogado criminalista e tudo mais lhe é secundário. Esta é uma luta diária, penosa, incessante e que seus efeitos se estendem à eternidade. Cada advogado criminalista deve ter em mente a função de seu trabalho, deve lembrar que somos os primeiros defensores dos indivíduos contra as tiranias e não devemos nos acovardar diante de tão nobre missão. Se o temor o domina perante as ímpias falanges da injustiça, advogado, a clava forte da justiça tu deves erguer, pois, dela munido, não há déspota que o vença.