O DIREITO DE NÃO FUNDAMENTAR DO JURADO E A OBRIGAÇÃO DE FUNDAMENTAR DOS TRIBUNAIS. O CANTO DA LEGALIDADE.
Por disposição Constitucional expressamente consagrada, as decisões judiciais obrigatoriamente devem ter motivação real e concreta. Para além disso, devem respeito ainda as regras da legislação infraconstitucional, e tudo, se assim não se proceder, sob pena de nulidade (art.93, IX,CF). Dessa forma, um juiz togado, seja de primeiro grau ou de Tribunal, não pode valer-se de prova ilícita para condenar ninguém; não pode formar sua convicção e produzir sua decisão na prova obtida na investigação policial, de fase inquisitória, só o podendo fazê-lo com base naquela prova produzida no contraditório judicial, respeitada a ampla defesa; uma única testemunha não será suficiente para condenar ninguém; a delação de co-autor deverá ser reproduzida em juízo, ter o conforto de outras provas e ser assegurada a parte delatada o direito de contraditar e de contrapor-se a essa delação, etc. Em suma, o juiz não pode fundamentar sua decisão nem apoiar ela em elementos de provas que não sejam colhidos no ambito do contraditório judicial e estejam devidamente chanceladas pelo principio da legalidade. O tema é cediço, posto que acadêmico, muito embora normas e princípios constitucionais venham sendo corriqueiramente desrespeitadas. Mas esse não é o debate que nos propomos. O problema é saber em que canto fica a legalidade quando se trata de decisão do Conselho de Sentença de Tribunal do Júri Popular, que tem soberania constitucional de seus veredictos e competência – hoje relativa, digo eu, em face da disposição do artigo 415 do CPP -, para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida em todas as suas modalidades. (art. 5º, XXXVIII, CF). O Jurado, como todos sabem, não precisa motivas sua decisão, não estando obrigado a dizer porque a tomou, protegido, para isso mesmo, por uma votação sigilosa e secreta. Tudo bem, já que a decisão será revisada pelo Órgão colegiado no instância ordinária do segundo grau de jurisdição. E aí entra o problema. É que os Tribunais, a nosso modesto pensar, só podem chancelar a decisão condenatória se ele estiver apoiada em prova lícita, em prova válida, em prova tarifada e legal, em prova colhida o contraditório, etc. Decisão que assim não esteja é manifestamente contrária a prova dos autos, porque ilegal. Mas o que se tem visto é, em nome da soberania de veredictos que dispensam fundamentação – esse direito é só para o jurado, não é para o juiz togado não. Esse tem obrigação, repita-se, obrigação de fundamentar sua decisão, sob pena de nulidade – chancelar-se decisões condenatórias que não encontram mínimo respaldo em prova angariada e permitida legalmente. Um jurado pode, não deveria, depois de ouvir da acusação leitura de depoimentos colhidos na fase de investigação,condenar alguém com base nesse depoimento, ou com base em um único depoimento, e o Tribunal vai considerar, em afronta a legalidade, que essa decisão não é manifestamente contrária a prova dos autos, muita embora se estivesse, esse mesmo processo, sujeito ao crivo e julgamento do juízo singular, o réu fosse absolvido, porque a lei proíbe a condenação com base nesse tipo de prova, absolutamente insuficiente para condenar-se alguém e de fácil escorrego para o cometimento de erro judiciário. Vivemos, aliás voltamos a viver, já sabemos, os tempos obscuros da história do direito penal e do processo penal. O Tribunal não deveria, jamais, chancelar condenação do Tribunal do Júri, se não encontrasse nos autos versão apoiada em prova legal, tarifada, de valores previamente fixados no ordenamento jurídico, dizendo ao jurado: “você pode, eu não”, e com isso reafirmando a excelência do modelo garantista do processo penal, pois para isso foi criado. Infelizmente, não é o que acontece.
Emerson Leônidas.
Advogado Criminalista
Presidente da Abracrim/PE.