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O direito do advogado de gravar audiências/sessões de julgamento dos tribunais (de justiça e do júri) sem prévia autorização judicial

O DIREITO DO ADVOGADO DE GRAVAR AUDIÊNCIAS/SESSÕES DE JULGAMENTO DOS TRIBUNAIS (DE JUSTIÇA E DO JÚRI) SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL

Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador (provérbio africano).

SUMÁRIO: I – Introdução: por que esse tema? II – Da necessária relativização do que é – ou não é – registrado em ata. III – Os argumentos pelos quais o advogado pode – e deve – registrar tudo que ocorre nas salas de audiência/sessões de julgamento dos tribunais (de justiça e do júri) sem prévia autorização judicial. III.1 – Porque a lei permite (dos permissivos legais para o advogado gravar audiências de instrução/julgamento e sessões de julgamento). III. 2 – Porque a gravação ambiental clandestina pode ser utilizada em favor do lesado. Precedentes. III. 3 – Porque a Ordem dos Advogados do Brasil é favorável a essa conduta. III. 4 – Porque qualificaria a magistratura: melhores decisões orais e melhores atitudes práticas. IV – Casos de indeferimento (se for feito o pedido para a gravação) e de desconformidade entre o registro e o ato. V – E na Delegacia de Polícia? VI – Conclusão. VII – Referências bibliográficas.

I – INTRODUÇÃO: POR QUE ESSE TEMA?

Juiz A: “A ata é minha, eu registro o que eu quiser”.

Juiz B: “O Dr. Advogado quer fazer registro do que não aconteceu, formulando afirmações que não foram ditas pelo ilustríssimo promotor”.

Desembargador C: “Essas nulidades arguidas são filigranas constitucionais e eu não sou constitucionalista” (após o respectivo advogado que acompanhava a sessão postulou “pela ordem” o acesso às notas taquigráficas do respectivo Tribunal de Justiça e, então, foi dito oralmente pelo desembargador presidente): “As notas taquigráficas são para uso interno do Tribunal de Justiça, o senhor advogado não tem acesso”.

Juiz D: “Meu amigo, deixa eu explicar uma coisa melhor. Mentir para um juiz ou para um delegado é crime de falso testemunho, Na delegacia o senhor disse que era ele. Aqui o senhor está dizendo que não foi. O senhor mentiu na delegacia ou está mentindo aqui?” (…). Testemunha: “É, olhando com atenção, acho que foi ele sim”.

Juiz E – Ata de audiência: “Ao final, Juízo destacou que, na última audiência, houve uma grave irregularidade consistente na gravação de vídeo da audiência por um dos presentes sem que tivesse havido autorização do Juízo. Conteúdo da gravação irrelevante, mas ainda assim trata-se de irregularidade que não deve se repetir. Nenhuma parte tem direito de gravar áudio ou vídeo da audiência sem autorização expressa deste Juízo. Então fica advertida as partes, com base no art. 251 do CPP que não promovam gravações de vídeo da audiência sem autorização do Juízo.”

Este modo de decidir e de motivar as decisões consignadas (ou não) em ata exemplificam o que colegas advogados escutam e, muitas das vezes, suportam calados, sem conseguir comprová-los.

Decisões estas que, além do autoritarismo impregnado, colocam a defesa do cliente numa situação de impotência que não consegue redimir. O Juiz se diz “dono” da ata. A postura por ele adotada, o que ele diz que aconteceu, que não aconteceu ou, simplesmente, aquilo que ele omite o registro (talvez para evitar futuro reconhecimento de nulidades), vira um dogma simplesmente irrefutável daquele momento adiante. É para auxiliar a solucionar este problema que propomos o presente artigo.

O trabalho será dividido em seis partes, incluindo a presente introdução e a conclusão, onde serão analisados diversos aspectos que envolvem a temática.

Após a presente introdução, que apresenta de forma sucinta a importância da temática, apresentaremos a pertinência de relativizar o dogma da confiança na ata (ou naquilo que não consta nela).

Ainda, num terceiro momento, já ingressando no âmago da questão, serão expostos os argumentos pelos quais os advogados podem registrar tudo que ocorre na sala de audiências, sessões de julgamento dos tribunais de justiça e do júri, inclusive sem prévia autorização judicial. Neste ponto, subdividiremos o artigo em quatro partes: 1ª – respaldo legal; 2ª – possibilidade da utilização da gravação ambiental clandestina em favor do lesado; 3ª – chancela da OAB; e 4ª – qualificação da magistratura.

Embora defendamos aqui a desnecessidade de qualquer alerta a respeito da respectiva gravação, no quarto ponto enfrentaremos os casos em que houver indeferimento do eventual pedido (ou aviso) do advogado de que estará gravando o ato jurisdicional.

Na quinta parte abordamos a possibilidade da gravação também ser realizada em Delegacias de Polícia, uma vez que não pode haver sigilo sobre parte da investigação que já estiver documentada, bem como o segredo oriundo de determinadas oitivas não pode se estender ao trabalho que o advogado poderá presenciar (como o interrogatório do seu cliente, por exemplo).

Em breve conclusão, revisitaremos as questões abordadas no desenrolar deste trabalho para deixar ao leitos nossa percepção final sobre a temática. No último ponto, serão expostas as referências bibliográficas utilizadas.

II – DA NECESSÁRIA RELATIVIZAÇÃO DO QUE É – OU NÃO É – REGISTRADO EM ATA

Efetivamente existem razões para relativizar aquilo que é (ou não é) reduzido a termo pelo magistrado, bem como a parte pode querer, para proteção física, moral, profissional, intelectual, administrativa, civil e penal sua e/ou do seu cliente, registrar a forma como se deu o ato oficial e público. E isso, nem sempre vai ao encontro com a decisão (ainda que não consignada) do respectivo agente público.

Em primeiro lugar, o magistrado é humano, suscetível a erros e vícios. Portanto pode não ter escutado aquilo que realmente foi dito ou escutar aquilo que não foi dito e deixar consignado o que não deveria ou não consignar o que deveria –sobretudo se levarmos como exemplo o caso de debates que perduram horas em plenário do júri (art. 477 do Código de Processo Penal ). Pode, ainda, “não estar em um bom dia”, e agir sem paciência e/ou com autoritarismo, de modo a prejudicar os envolvidos. Nesse sentido, CALAMANDREI lembra que:

Além disso, o juiz, enquanto permanece isolado detrás do cômodo empíreo do papel autenticado, ainda pode nutrir a ilusão de que é um semideus infalível; mas, quando se rebaixa a chamar as partes diante de si é difícil não perceber, posto face a face com os homens, que, sob a sua toga augusta também ele é um homem.

Em segundo lugar pode, como já destacado, não querer tumultuar ou macular o “seu processo”, ou seja, o processo que está sob sua presidência, evitando a procrastinação do feito em recursos que aleguem a nulidade do mesmo. Ora, nem precisaríamos fundamentar que o processo não é do magistrado e que, se houver nulidade, deve ser declarado nulo o processo, pois este é o preço do Estado Democrático de Direito.

Isso fica ainda mais claro quando tratamos especialmente de processo penal, em que há a incorporação de princípios individuais fundamentais de forma sensível, sendo as regras do jogo verdadeiras garantias indisponíveis, avalizando à sociedade a tranquilidade de um sistema minimamente sério de apuração de crimes e ao indivíduo acusado a mesma serenidade de que nada em seu prejuízo ocorrerá no âmbito processual. Mais uma vez, a lição de CALAMANDREI se faz necessária: “Mais que os advogados, os juízes deveriam agradecer ao processo seus complicados expedientes, que parecem feitos menos para retardar seu trabalho (como se diz com frequência) do que para manter em paz sua consciência.”

Em terceiro lugar, o magistrado pode, equivocadamente, tomar partido no processo, fazendo, como comumente se vê, às vezes de promotor de justiça. Geralmente age assim acreditando que está buscando a justiça, quando, na verdade, está sendo justiceiro, o que é VEDADO pela nossa Constituição Federal que incorporou o princípio acusatório (art. 129, inciso I, da CF). Agir de forma contrária é perpetuar um sistema inquisitivo: “a mesma instância acusa, julga e pune. Isso é uma perversidade jurídica em qualquer Estado de Direito, pagão, ateu ou cristão.”

Por fim, o magistrado pode simplesmente ter alguma desavença decorrente de outras oportunidades com aquele advogado ou advogados. O juiz pode, por exemplo, ter tido algum debate mais ríspido e, em razão disso, passa a pessoalizar a questão processual, o que traz um prejuízo incalculável, mais que ao advogado, ao seu próprio cliente.

III – OS ARGUMENTOS PELOS QUAIS O ADVOGADO PODE – E DEVE – REGISTRAR TUDO QUE OCORRE NAS SALAS DE AUDIÊNCIA/SESSÕES DE JULGAMENTO DOS TRIBUNAIS (DE JUSTIÇA E DO JÚRI) SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL

III.1. PORQUE A LEI PERMITE (DOS PERMISSIVOS LEGAIS PARA O ADVOGADO GRAVAR AUDIÊNCIAS DE INSTRUÇÃO/JULGAMENTO E SESSÕES DE JULGAMENTO).

É verdade que o Código de Organização Judiciária do Rio Grande do Sul , os regimentos internos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul , do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, do Superior Tribunal de Justiça , e do Supremo Tribunal Federal , quando não são omissos, obstaculizam o gravação da audiência de forma particular, pelo advogado ou pela parte.

Também é verdade que o Código de Organização Judiciária do Rio Grande do Sul , os regimentos internos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul , do Tribunal Regional Federal da 4ª Região , do Superior Tribunal de Justiça , e do Supremo Tribunal Federal , não estabelecem como (e se) o advogado tem acesso às notas taquigráficas dos julgamentos e no caso específico do Tribunal de Justiça do Rio Grade do Sul se condiciona a gravação de sessões de julgamento pelo advogado à prévia autorização.

Ainda, por intermédio do Comunicado CG nº 471/2015, publicado no dia 16/04/15 no Diário da Justiça Eletrônico, oriundo do processo nº 2015/42665, a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo informou que competiria ao juiz autorizar ou vedar a gravação de audiência pelas partes:

COMUNICADO CG Nº 471/2015

(Processo 2015/42665)

A Corregedoria Geral da Justiça COMUNICA aos Senhores Magistrados, Membros do Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias, Advogados, Dirigentes das Unidades Judiciais, Servidores e ao público em geral que, não obstante ausência de previsão legal acerca da gravação da audiência pelas partes, compete ao juiz do feito, no âmbito jurisdicional, autorizar ou vedar a referida gravação, consignando no respectivo termo, no primeiro caso, a parte que a efetuou e a advertência acerca da responsabilidade civil e penal pela utilização e divulgação indevidas do material gravado.

Contra esse comunicado diversos advogados ingressaram com pedido de providências junto ao Conselho Nacional de Justiça . Ao ser questionada pelo CNJ, a Corte requerida, por meio da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, informou expressamente a revogação da determinação contida no Comunicado 471/2015, tendo em vista o art. 149-A das Normas de Serviço da Corregedoria da Justiça, que possui a seguinte redação:

Art. 149-A O exercício, pela parte, da faculdade de que trata o artigo 367 § 6º do Código de Processo Civil será comunicada ao Magistrado previamente ao início da gravação. O Magistrado consignará no termo de audiência o nome da parte e o meio de registro adotado para a gravação.

Parágrafo único. Para utilização da gravação nos autos, caberá à parte ou seu patrono realizar a integral transcrição dos atos, dando-se ciência à parte contrária do teor transcrito para manifestação no prazo de 5 (cinco) dias.

No entanto, o CNJ não definiu tese a respeito do tema, pois os advogados reclamantes, ante a revogação da determinação do comunicado, não levaram adiante o questionamento (não manifestaram-se mais nos autos e a referida mudança resultou no arquivamento do feito ante a perda de objeto).

De qualquer modo, não obstante as previsões acima destacadas, uma interpretação hierárquica de normas, bem como a análise do papel do processo e do advogado sob um viés constitucional não faz prevalecer essa primeira impressão de resignação quanto a quem pode registrar e/ou pedir o registro do que ocorre nas audiências e sessões de julgamento.

A) CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Primeiramente, a própria CONSTITUIÇÃO FEDERAL estabelece que a audiência e o julgamento, que por vezes ocorrem na mesma oportunidade , como atos processuais que são, devem ser, via de regra, públicos (art. 5º, inciso LX, da CF c/c art. 93, inciso IX, da CF). A lei, entretanto, deve, em casos especiais de preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo , limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados ou somente aos advogados, desde que não prejudique o interesse público à informação (art. 5º, inciso LX, da CF c/c art. 93, inciso IX, da CF).

Ou seja, aos advogados não há qualquer limitação de acesso a julgamentos, tão somente ocorrendo algum cerceamento em decorrência de atos de investigação em trâmite, cuja revelação poderia obviamente frustrá-lo, mas que, após sua documentação, deverá ser também concedido acesso ao procurador da parte (Súmula Vinculante 14 do STF).

O advogado é indispensável à administração da justiça e, no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social sendo que seus atos constituem múnus público (art. 133 da CF e art. 2º, EOAB – Lei nº 8.906/1994). Se tudo isso efetivamente é verdade, não há porque restringir a possibilidade de registro de audiências e julgamentos exclusivamente aos órgãos do próprio Poder Judiciário, não cedendo ao advogado tal direito.

Aliás, ainda sob o viés constitucional, a próprio princípio da ampla defesa, previsto no art. 5º inciso LV, da Constituição Federal permite que, em sua defesa própria ou defesa do seu cliente, o advogado queira registrar tudo aquilo que está ocorrendo na produção de prova e/ou no julgamento em que atua ou é parte.

Ora, se há segredo de justiça e ele é desrespeitado em razão da divulgação indevida pelo advogado para além dos autos processuais (publicidade externa), que então ele seja punido administrativamente (pela violação dos arts. 25 a 27 do Código de Ética e Disciplina da OAB e art. 34, possíveis incisos VII, XIII, XXV e XXVII do Estatuto da Advocacia e da OAB), civilmente (art. 186 e 927 do Código Civil) e criminalmente (art. 10 da Lei 9.296/96). O que não se aceita é presumir a violação do segredo e impossibilitar a gravação da audiência/julgamento para fins exclusivamente processuais (publicidade interna).

É tão evidente a importância de transparência nas audiências e julgamentos que o próprio Poder Judiciário vem, gradativamente, integralizando o registro das audiências de instrução e julgamento por meio de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações (arts. 279 e 417 do CPC/73 ou art. 367, §5º, do CPC/15, a serem vistas no próximo tópico, art. 405, do CPP , Lei 9.099/95 ).

B) CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Especificamente sobre o tema proposto, tanto o novo quanto o antigo CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, deixam claro que o advogado poderá gravar audiências, sendo que o referido diploma legal mais recente é expresso que não há necessidade de autorização judicial. Senão vejamos.

Código de Processo Civil (1973): Art. 170. É licito o uso da taquigrafia, da estenotipia, ou de outro método idôneo, em qualquer juízo ou tribunal. (…). Art. 279. Os atos probatórios realizados em audiência poderão ser documentados mediante taquigrafia, estenotipia ou outro método hábil de documentação, fazendo-se a respectiva transcrição se a determinar o juiz. (…). Art. 417. O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação.

Já na época em que houve a introdução do art. 417 ao então antigo CPC de 1973, reforma realizada pela Lei 8.952/94, TEIXEIRA esclarecia que, a despeito da mencionada alteração legislativa parecer, aos olhos leigos, de pouca importância, a evolução do diploma processual é significativa. Há mais eficácia e celeridade na tomada de depoimentos, impedindo “o raciocínio corretor, isto é, depoimentos montados, forjados, dirigidos”, e, ainda, o registro daquilo que se gravou permite ao Juiz ter contato mais fácil e imediato com as provas outrora produzidas, quando for necessário examinar a questão controvertida.

Novo Código de Processo Civil: Art. 367. O servidor lavrará, sob ditado do juiz, termo que conterá, em resumo, o ocorrido na audiência, bem como, por extenso, os despachos, as decisões e a sentença, se proferida no ato.(…). § 5o A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica. § 6o A gravação a que se refere o § 5o também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.

Sobre a alteração trazida pelo art. 367, BUENO comenta que “o §6º, querendo solucionar acesa discussão doutrinária e jurisprudencial, admite expressamente a possibilidade de as próprias partes, independentemente de autorização judicial, gravarem, pelos meios referidos no §5º, a audiência.”

DIDIER JR, BRAGA e OLIVEIRA, embora corroborando a previsão legal de possibilidade de gravação das audiências pelas partes e da desnecessidade de informar ao magistrado, recomendam que a parte que deseja proceder a gravação informe aos demais em decorrência do princípio da boa-fé e da cooperação (art. 5º e 6º do CPC).

Embora nós não concordemos com essa necessidade de informar previamente o ato da gravação, pois isso impediria a naturalidade das ações dos respectivos atores processuais – deixariam de dizer o que diriam, de omitir o que omitiriam, ou de fazer o que fariam -, respeitamos e registramos o posicionamento ora exposto.

NERY e NERY JR. alerta que a gravação realizada pela parte não pode prescindir de um resumo da audiência e de uma gravação oficial conduzida por serventuários da Justiça presentes. No entanto, destaca a utilidade da gravação pelas partes, não somente como auxílio para elaboração das alegações finais, mas sobretudo para contraprovar eventual alegação de erros de registro. Cita a seguinte casuística jurisprudencial:

Estenotipia. Alegação de infidelidade do registro do depoimento pelo sistema de estenotipia. Impugnação genérica que não indica nenhum erro no registro. Objeção insuficiente para elidir a fé pública inerente ao ato judicial. Análise da doutrina e da jurisprudência. Indeferimento do pedido de repetição da prova. Decisão mantida (1.º TACivSP, Ag. 548947, rel. Juiz Sidnei Beneti, v.u. j. 15.9.1993).

Apenas para lembrar: o Código de Processo civil se aplica de forma analógica ao Código de Processo Penal e à Consolidação das Leis Trabalhistas . No entanto, não se ignoram algumas recentes decisões que interpretam a suposta existência de previsão em sentido diverso em legislação específica, em especial a de direito processual penal e que, portanto, isso seria um impeditivo à interpretação extensiva e analógica do Código de Processo Civil. Senão vejamos:

(….). Apesar dos esforços da defesa, não tenho como pacífica a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao caso em tela, já que o Código de Processo Penal traz previsão de registro audiovisual de audiências (art. 405 do CPP), muito embora não desça às minúcias do Código de Processo Civil. Nessa perspectiva, deve-se ter cuidado com as tentativas de processualização civil do processo penal. Havendo disposição específica especial, portanto, é inadequada ou no mínimo prematura a aplicação subsidiária do CPC. (…). Nesse contexto, não merece seguimento a presente impetração, motivo pelo qual indefiro liminarmente o habeas corpus, forte no art. 220 do RITRF4. (HABEAS CORPUS Nº 5021421-16.2017.4.04.0000/PR. Relator: João Pedro Gebran Neto. Juiz que proferiu a presente decisão liminar: Nivaldo Brunoni. Paciente/impetrante: Cristiano Zanin Martins; Luiz Inácio Lula da Silva. Advogado: Cristiano Zanin Martins. Impetrado: Juízo Federal da 13ª Vara Federal de Curitiba).

(…). Com efeito, não há como se considerar ilegal o indeferimento da gravação da audiência de forma autônoma pela parte, ao argumento de que não se aplica o art. 367 do Código de Processo Civil, pois de fato o código aplicável ao processo penal, evidentemente, é o Código de Processo Penal. É certo que o CPP admite interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento de princípios gerais do direito (art. 3º do CPP). Mas isto só ocorre quando o próprio CPP é omisso. No caso, o CPP, em seu art. 405, expressamente prevê a gravação audiovisual, sempre que possível, dos depoimentos (e isto está ocorrendo). Assim, se o CPP tem norma específica, não se aplica subsidiariamente o CPC. No mais, como bem anotou o TRF, deve-se ter cuidado com as tentativas de processualização civil do processo penal, pois tem objetos distintos (o processo penal envolve questões mais delicadas, com acusações criminais de maior impacto e repercussão do que questões cíveis). (…). 3. Por tais razões, indefiro o pleito liminar. (STJ. HABEAS CORPUS nº 398589 – PR (2017/0102659-0) Relator: Min. Felix Fischer. Impetrante: Cristiano Zanin Martins E Outros Advogados. Julgado em 10 de maio 2017).

Ora, a própria decisão acima colacionada expressamente reconhece que o Código de Processo Penal “não desce às minúcias do Código de Processo Civil”. O que a Lei Processual Penal trata nos artigos 405 e 475 é tão somente que sempre que possível haverá gravação audiovisual dos depoimentos. E é só:

Art. 405. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos. §1º Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e de testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. §2º No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhado às partes cópia do registro original, sem a necessidade de transcrição.

Art. 475. O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova.

Essa previsão DE NENHUMA FORMA supre a lacuna a respeito do direito do advogado TAMBÉM poder gravar o ato. E como a lacuna persiste, deve ser preenchida pelo permissivo do Código de Processo Civil (art. 367 §§ 5º e 6º), sobretudo porque amplia a ampla defesa no processo penal. Conforme leciona NUCCI: “interpretação extensiva é a ampliação do conteúdo da Lei, efetivada pelo aplicador do direito, quando a norma disse menos do que deveria.”

Quanto ao argumento de que “o processo penal envolve questões mais delicadas, com acusações criminais de maior impacto e repercussão do que questões cíveis”, também proveniente da decisão acima colacionada, como já referido anteriormente, que se puna, então, administrativa, civil e penalmente o advogado que violar sigilo eventualmente decretado na respectiva causa penal que atua ao divulgar, para além do processo, as informações que gravou.

O que, repita-se, não se admite, é presumir que o advogado irá violar suposto segredo e usar isso como argumento para impossibilitar a gravação da audiência/julgamento para fins exclusivamente processuais (publicidade interna – quando houver sigilo).

C) LEI Nº 10.461/02 (TV JUSTIÇA)

Analogicamente, ressalta-se a criação pela LEI Nº 10.461/02 da TV Justiça, um canal de televisão reservado ao Supremo Tribunal Federal para divulgação dos atos do Poder Judiciário e dos serviços essenciais à Justiça que dentre outras metas, “Trabalha na perspectiva de informar, esclarecer e ampliar o acesso à Justiça, buscando tornar transparentes suas ações e decisões. (…). Com programação que emprega linguagem clara, ágil, confiável, contextualizada e caráter didático, a TV Justiça notabilizou-se pela transmissão de julgamentos, programas de debates, seminários e conferências ao longo dos seus 10 anos de história, realizando uma cobertura jornalística prolongada, profunda e variada.”

D) CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

O Código de Processo Penal prevê expressamente no seu art. 233 e parágrafo único que serão aceitas em juízo as cartas particulares, ainda que sem o consentimento do signatário, para a defesa do direito do destinatário:

Art. 233. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão admitidas em juízo. Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário, para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário.

Comentando o dispositivo referido, assevera NUCCI que como nenhum direito é absoluto, estabelece o Código de Processo Penal, em franca sintonia com o disposto na Constituição, privilegiando a ampla defesa e almejando evitar, a qualquer custo, o erro judiciário, a possibilidade de se juntar a carta, no feito em trâmite, para a defesa de direito pertinente ao destinatário da carta, ainda que não haja consentimento do signatário, isto é, mesmo que prejudique alguém.

Nos parece claro que se no processo penal o acusado pode se valer de carta que é escrita somente para ele e que o signatário não quer ou não sabe de sua divulgação para além das partes envolvidas, desde que seja para proteção do próprio direito do acusado, também os advogados poderiam gravar e revelar as audiências e sessões de julgamento para a sua própria proteção.

Assim, a restrição de gravação ou de acesso às notas taquigráficas, além de ir de encontro com a tendência – via de regra – de publicidade e transparência dos atos do poder judiciário, ter um valor legal hierárquico inferior às normas acima mencionadas, desconsidera que o advogado é indispensável à administração da justiça (art. 133 da CF) e é totalmente interessado em tudo que é dito – ou não dito – naquela oportunidade de julgamento; também não considera que, havendo divergência entre o que foi dito no debate e o voto, prevalecerá o primeiro, conforme Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e o seu entendimento em caso que isso ocorreu , mais uma vez destacando a pertinência desta problemática.

III. 2. PORQUE A GRAVAÇÃO AMBIENTAL CLANDESTINA PODE SER UTILIZADA EM FAVOR DO LESADO. PRECEDENTES.

A) INEXISTÊNCIA DA RESERVA DE PRIVACIDADE

É comum e frequente a afirmação no sentido de que a gravação clandestina, aquela realizada sem o conhecimento do interlocutor, constitui prova ilícita. No entanto, primeiramente, é necessário ressaltar que a pessoa clandestinamente gravada deve estar no exercício de um direito.

Pode ocorrer que a pessoa gravada esteja no exercício de algum direito, sem reserva alguma à sua privacidade. É o que ocorre, por exemplo, com um discurso proferido em um comício, ou em qualquer estabelecimento aberto ou PÚBLICO, no qual se possa contatar a ausência de reserva de privacidade por parte do falante.

Nesse sentido, se uma gravação for realizada, captando-se a conversa entre duas pessoas, desde que ocorra em lugar público, deve ser aceita como prova lícita. Quem deseja desenvolver assunto sigiloso, livre de interferência exterior, deve fazê-lo em lugar apropriado e privativo.

Parece-nos claro que se a regra do processo no âmbito do Poder Judiciário é ser público, não haveria lesão à intimidade a gravação e eventual utilização nos autos das audiências e sessões de julgamento, pois não há reserva de privacidade nesses casos.

B) PRESENÇA DE JUSTA CAUSA / TEORIA DA EXCLUSÃO DA ILICITUDE / PROPORCIONALIDADE PRO REO

Segundo PACELLI, a gravação ambiental clandestina, ou seja, aquela realizada quando um dos interlocutores promove a gravação da conversa sem o conhecimento do outro também é considerada lícita quando há justa causa. Essa justa causa ocorre quando, por exemplo, a revelação do conteúdo se destinar a provar fato cuja existência seja relevante para a defesa de direito daquele que promoveu a gravação. E esse direito, não se limita à hipótese da ceara penal, como seria o caso de possível descobrimento da autoria do crime, mas de todo o direito.

A justa causa aqui referida diz respeito a uma motivação que possa validamente ser reconhecida pelo Direito, como é o caso, por exemplo do estado de necessidade, como uma causa de justificação da conduta tipificada penalmente.

RANGEL ensina que no Brasil o fundamento pelo qual uma prova aparentemente ilícita pode ser utilizada para inocentar um acusado chama-se teoria da exclusão da ilicitude da ilicitude, capitaneada por Afrânio Silva Jardim, onde a conduta do réu é amparada pelo direito e, portanto, não pode ser chamada de ilícita. O réu, interceptando uma ligação telefônica, sem ordem judicial, com o escopo de demonstrar sua inocência, estaria agindo de acordo com o direito, em verdadeiro estado de necessidade justificante.

NUCCI afirma que tratando-se de gravação de conversa, ainda que o conteúdo seja sigiloso, a parte que grava pode utilizar a prova em seu benefício, caso seja vítima de um delito. Com mais razão, ocorrendo em local público a conversa, e tendo a captação sido realizada por terceiro com o conhecimento de um dos interlocutores, é lícita a prova.

LOPES JR., no mesmo sentido, recorda que o réu estaria, quando da obtenção (ilícita) da prova, acobertado pelas excludentes da legítima defesa ou do estado de necessidade, ou, ainda, a tese de inexigibilidade de conduta diversa, afastando-se a ilicitude/culpabilidade da conduta e da própria prova, legitimando o seu uso no processo.

Aliás, como já visto, o próprio Código de Processo Penal prevê a possibilidade de aceitação em juízo cartas particulares, ainda que sem o consentimento do signatário, para a defesa do direito do destinatário (art. 233, caput e parágrafo único do CPP).

Outro fundamento que, na verdade, se intersecciona com a justa causa acima vista, é o do princípio da proporcionalidade, em que deve-se realizar uma ponderação de bens e/ou de interesses. Ele vem sendo utilizado pela jurisprudência alemã e de alguns países da Europa para fins de permitir, sempre excepcionalmente, o aproveitamento de provas obtidas ilicitamente.

Segundo RANGEL, a liberdade de locomoção tem peso maior diante do sigilo das comunicações telefônicas e, portanto, é razoável que se possa quebrá-lo com o escopo de resguardar a liberdade de locomoção do réu.

PACELLI atenta que a prova da inocência do réu deve sempre ser aproveitada, em quaisquer circunstâncias, pois em um Estado de Direito não há como conceber a ideia da condenação de alguém que o próprio Estado acredita ser inocente. Assim, o aproveitamento da prova ilícita em favor da defesa constitui-se em critério objetivo de proporcionalidade, dado que: a) a violação de direitos na busca da prova da inocência poderá ser levada à conta do estado de necessidade, excludente geral da ilicitude (não só penal); b) o princípio da inadmissibilidade da prova ilícita constitui-se em garantia individual expressa, não podendo ser utilizado contra quem é o seu primitivo e originário titular.

O Direito norte-americano, fonte de nossa vedação das provas ilícitas, aceita a prova obtida ilicitamente por particulares justamente porque a norma da vedação da prova ilícita dirige-se ao Estado, produtor da prova, e não ao particular.

LOPES JR. assevera ser uma “proporcionalidade pro reo”, em que a ponderação entre o direito de liberdade de um inocente prevalece sobre um eventual direito sacrificado na obtenção da prova dessa inocência.

Como bem explorado pela pesquisa realizada pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Direito da Associação dos Advogados dos Advogados de São Paulo, deve-se priorizar o direito que proporcionalmente se mostra mais sensível no embate dos princípios envolvidos:

Vale dizer, no embate entre o interesse do Advogado de produzir a prova acerca de potencial lesão ao direito do seu cliente, ou mesmo de uma temida violação das suas prerrogativas profissionais, de um lado, e o desconforto do Juiz, do adversário ou mesmo do Advogado que representa a parte contrária, flagrados numa conduta indevida, de outro, há de se desempatar a questão com base no Princípio da Proporcionalidade em favor daquele que pretende proceder à gravação oculta da audiência. (…). Assim, tanto a audiência transcorrida perante o Judiciário, no curso do processo, quanto o ato investigativo presidido pela autoridade policial são públicos e podem ser gravados por aqueles chamados a neles tomar parte. A utilização do material produzido com essa gravação é que poderá ser reduzida, se houver motivos legais para impor a restrição à publicidade externa.

C) IMPORTANTES PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Há uma série de precedentes dos tribunais superiores que legitimam a utilização da gravação clandestina sob os fundamentos acima discutidos, que serão resumidos abaixo em ordem cronológica de julgamento:

HC. 74.678 (STF – Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 10.06.97, DJ 15.08.97): Terceiro utilizou gravação de conversa telefônica com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, sob o fulcro de excludente de antijuridicidade da legítima defesa. Foi afastada a ilicitude da conduta e da própria prova.

HC 75.261 (STF – Rel. Min. Octávio Gallotti, julgado em 24.06.97, DJ 22.08.97): interceptação telefônica realizada pela polícia, com autorização judicial, em que foram gravadas as negociações entabuladas entre sequestradores, de um lado, e policiais e parentes da vítima, de outro, com o conhecimento dos últimos, recipiendários das ligações. Prova considerada lícita em razão da existência de autorização judicial e pelo princípio da proporcionalidade.

RE 212081 (STF – Rel. Min. Ovtávio Gallotti, julgado em 05.12.97, DJ 27.03.98): Conversa entre presentes, gravação ambiental, autorizada por apenas um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais foi considerada prova lícita pelo exercício da legítima defesa de quem a produziu.

HC 75.338 (STF – Rel. Min. Nelson Jobim, julgado em 11.03.98, DJ 25.09.98): Gravação telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem o a ciência do outro, quando há investida criminosa deste último é considerada prova lícita. Ainda, decidiu-se que é inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com sequestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista. Prova considerada lícita em razão da justa causa e proporcionalidade envolvidas.

RHC 12.266 (STJ – Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 09.09.03, DJ 20.10.03): vítima realizou gravação de conversação telefônica em que era um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, agente do crime, sendo considerada esta gravação prova lícita baseada em precedentes dos Tribunais Superiores, em especial em razão do exercício da legítima defesa de quem produziu tal prova.

HC 84.203 (STF – Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 19.10.04, DJ 25.09.09): vítima realizou filmagem de sua própria vaga de garagem de edifício que reside com o objetivo de identificar o autor de danos praticados contra o seu patrimônio. O comportamento do ofendido foi considerado legítimo, sem a necessidade de prévia autorização judicial, bem como a prova produzida nessa circunstância foi considerada válida, pois não estaria violando a intimidade do agente criminoso.

RE 402035 AgR (STF – Rel. Min. Ellen Gracie, julgado no dia 09.12.03, DJ 06.02.04); AI 503617 AgR (STF – Rel. Min. Carlos Velloso, julgado no dia 01.02.05, DJ 04.03.05); AI 666459 AgR (STF – Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado no dia 06.11.07, DJ 30.11.07): em todos eles, havia uma gravação feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, sendo declarada que tal gravação nada tinha de ilícita, principalmente quando destinada a ser documentada em caso de negativa e quando constitui exercício de defesa.

RE 402.717 (STF – Rel. Min. Cézar Peluso, julgado em 02.12.08, DJ 13.02.09): investigado em inquérito policial, quando interlocutor em conversa telefônica, realizou gravação clandestina, sem o conhecimento do outro. A prova foi admitida como lícita porque: não se confundiria com interceptação, esta sim com vedação constitucional; pela ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação; bem como porque se predestinou a ser utilizada como prova da alegada inocência de quem a gravou, em exercício análogo à legítima defesa.

RE 583.937 (STF – Rel. Min. Cézar Peluso, julgado em 19.11.09, DJ 18.12.09). Esse caso, além de mais recente e de fundamentar a utilização da gravação clandestina como prova lícita nos mesmos moldes do precedente anterior, merece destaque por se encaixar perfeitamente naquilo que aqui é defendido pelo presente artigo.

Trata-se de situação em que o recorrente, réu em processo criminal, foi acusado de ter desacatado juiz de direito em audiência de instrução. Como os seus advogados estavam gravando a audiência, foi solicitada a juntada do material (gravação ambiental). O pedido foi indeferido pelo juiz de primeiro grau, e o então réu, ora recorrente, foi condenado.

Ao recorrer à respectiva Turma Recursal, foi negado provimento e, sobre o tema, foi dito: “quanto ao indeferimento da degravação de um CD, no qual consta a gravação feita pelo próprio acusado na audiência em que ocorreu o entrevero, tenho que tal prova é ilícita. Não há nenhuma garantia sobre o material produzido unilateralmente”.

No entanto, o Tribunal, por maioria, vencido o Sr. Min. Marco Aurélio, reconheceu a existência de repercussão geral, reafirmou a jurisprudência da Corte acerca da admissibilidade do uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores e deu provimento ao recurso da Defensoria Pública, para anular o processo desde o indeferimento da prova admissível e ora admitida, nos termos do voto do Relator.

Como se vê, o advogado tem necessidade de gravar a audiência/sustentação oral para proteção do seu cliente ou para a sua própria proteção.

Própria proteção porque pode, sob um primeiro aspecto, querer provar o que diz e só conseguirá isso se utilizando da gravação realizada pois, hipoteticamente, pode ser que o magistrado não tenha registrado o que deveria ou tenha registrado o que não deveria ou tenha negado que tenha feito o que fez ou afirmado algo que não fez. Assim, o advogado estaria se protegendo de questão atinente ao processo em que atua e que pode, inclusive, lhe responsabilizar eticamente perante a OAB.

Por outro lado, outro aspecto deste permissivo em defesa de proteção do próprio advogado diz respeito aos crimes que podem ser imputados ao mesmo. O magistrado pode acusar o advogado de “estar colocando palavras na boca” da testemunha, do promotor, do réu, enfim, o que configura, em tese, uma acusação de difamação. Ou seja, o advogado pode querer a gravação para defesa do seu cliente e para sua própria defesa. Aliás, se falsa fosse a imputação realizada pelo magistrado, estaríamos diante de uma verdadeira calúnia. Se o advogado não estivesse gravando a audiência, certamente teria dificuldades de comprovar o fato.

Por fim, ainda estaria o advogado legitimado a gravar audiências e sessões de julgamento para sua própria proteção porque estaria defendendo, em última análise, de forma ética, combativa e sem amarras o interesse do seu próprio cliente.

Um último adendo nesse ponto: como observado pelo estudo da Associação dos Advogados de São Paulo, o registro original da gravação particular levada a cabo pela parte ou por seu patrono deve ser preservado intacto para fins de perícia, se houve algum questionamento sobre o seu teor.

III.3 PORQUE A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL É FAVORÁVEL A ESSA CONDUTA

Há uma série de manifestações oriundas da Ordem dos Advogados do Brasil que são favoráveis aos advogados que queiram registrar as audiências, com ou sem o consentimento dos magistrados.

Em razão de consulta realizada, processo nº 3854-2010, pela Associação dos Advogados de São Paulo à Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, a fim de solicitar parecer a respeito do entendimento do Tribunal de Ética e Disciplina sobre a aplicação prática do art. 417 do Código de Processo Civil de 1973, obteve-se a resposta, de relatoria do Dr. Luiz Francisco Torquato Avolio, de que:

a) em relação à gravação não ostensiva: recomendou-se que não fosse realizada, por uma questão de lealdade processual;

b) audiência preliminar e de conciliação: legítima a gravação de audiência preliminar pela sua utilidade ao advogado no exercício do contraditório, sobretudo por realizarem-se decisões pertinentes nesse turno. No entanto, a mera tentativa de conciliação isolada não se recomenda registro, pois pode inibir o possível acordo e nem mesmo o Poder Judiciário faz constar em ata esse primeiro momento de negociação entre as partes;

c) audiências de processos com segredo de justiça: pode ser realizada a gravação, desde que, tal qual já recomendado acima, as partes fossem cientificadas e, em caso de divulgação a terceiros (não partes ou não procuradores), que fosse responsabilizado aquele que violasse o segredo.

Em voto divergente, o Dr. José Eduardo Haddad manifestou-se apenas no sentido de que a gravação, por si só, da audiência de tentativa de conciliação não poderia ser vista como antiética, mas sua utilização sim.

Já no julgamento realizado na 541ª sessão de 14 de abril de 2011 do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo houve manifestação no sentido de permitir a gravação de audiência por advogado, apenas orientando-se para que fossem certificadas as partes e o Juízo:

EMENTA 01 – GRAVAÇÃO DE AUDIÊNCIA POR ADVOGADO, UTILIZANDO-SE DE MEIOS E RECURSOS PRÓPRIOS – POSSIBILIDADE, DESDE QUE CIENTIFICADOS O JUÍZO E AS PARTES E SEJA A MEDIDA ADOTADA SEM PROPÓSITO DESLEAL OU ARDILOSO. Por imperativo do exercício de sua função, que é indispensável à administração da Justiça, não há porque privar o advogado, na representação das partes, do exercício do direito de registrar os depoimentos e atos correlatos no decurso da audiência, desde que atue nos limites dos deveres que lhe são impostos e na defesa das prerrogativas profissionais da classe dos Advogados. A gravação é admissível desde que seja realizada de forma ostensiva (e não oculta ou clandestinamente), em atenção à lealdade em que devem ser pautadas as relações processuais, e desde que o ato a ser gravado não tenha como escopo a tentativa de conciliação entre as partes, de modo a não inibir eventuais negociações ou causar constrangimento a quaisquer das partes. O exercício da profissão advocatícia deve se dar de forma ampla, consistindo o registro de atos processuais em importante instrumento do causídico na defesa dos interesses de seu cliente. Não pode essa prática, contudo, dar azo a atos com propósitos desleais e ardilosos. Precedente: Proc. E-3.854/2010.

Proc. E-3.986/2011 – v.u., em 14/04/2011, do parecer e ementa do Rel. Dr. GILBERTO GIUSTI – Rev. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.

Em 2012, ao analisar um pedido de desagravo Público, a Câmara de Prerrogativas da Seccional do Paraná declarou que “o advogado pode documentar, para posterior consulta, os depoimentos prestados em audiência, mediante equipamentos de gravação próprios”, sem a necessidade de prévio requerimento. Complementou que “em observância à lealdade processual, a gravação deve ser ostensiva.”:

Número Acórdão: 211. Assunto: PEDIDO DE DESAGRAVO PÚBLICO. Título: ADVOGADO. GRAVAÇÃO DE DEPOIMENTO EM AUDIÊNCIA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO. PRERROGATIVA PROFISSIONAL. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E DO LIVRE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. LEALDADE PROCESSUAL E SIGILO QUE DEVEM SER OBSERVADOS PELO ADVOGADO. O advogado pode documentar, para posterior consulta, os depoimentos prestados em audiência, mediante equipamentos de gravação próprios. Para tanto, não há necessidade de prévio requerimento. Em observância à lealdade processual, a gravação deve ser ostensiva. Pedido de desagravo negado, porém conhecido, de ofício, como pedido de providências.

Ementa: Acordam os integrantes da Câmara de Prerrogativas, por votação unânime, negar o pedido de desagravo. Ainda, por unanimidade, após o voto do Conselheiro Cássio Lisandro Telles, acordam em conhecer de ofício da postulação, como pedido de providências, nos termos do voto do Conselheiro Cássio Lisandro Telles, ao qual aderiu a Conselheira Relatora, com expedição de ofícios ao 4º. Batalhão da Polícia Militar, ao Comando Geral da Polícia Militar e ao Ten. Rodrigo dos Santos Pereira. Processo: 3914/2011. Relator: 35132 – VANESSA DIAS SIMAS SCHOLZ. Data do Julgamento: 05/10/2012.

Em ementa aprovada pela Primeira Turma de Ética Profissional do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (588ª Sessão de 15 de outubro de 2015), restou decidido que não há infração ética por parte do advogado que grava audiência, mesmo nos processos sob segredo de justiça, independentemente de autorização ou prévia comunicação ao juízo:

EXERCÍCIO PROFISSIONAL -GRAVAÇÃO DE AUDIÊNCIAS PELO ADVOGADO – POSSIBILIDADE LEGAL E ÉTICA. Não há infração ética por parte do advogado que grava audiência, independentemente de autorização ou prévia comunicação, mesmo nos processos que tramitam sob segredo de justiça. É lícita a gravação de audiência feita por advogado devidamente constituído nos autos a qual poderá ser devidamente utilizada para exercício do direito constitucional da ampla defesa a fim de confrontar eventuais erros na transcrição e comprovar a existência de equívocos. Importante ressaltar que a divulgação e utilização indevidas de tais gravações podem configurar infração ética e, em alguns casos, crime. Por fim, também é considerada lícita a gravação realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. Proc. E- 4.548/2015 – v.u., em 15/10/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. SYLAS RIBEIRO – Rev. Dr. JOÃO LUIZ LOPEZ – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.

Ou seja, ainda que anterior à entrada em vigor do novo CPC de 2015, a orientação mais recente da entidade revela um permissivo que coaduna com a liberdade, a ampla defesa e o contraditório que a gravação dos atos judicializados exige, priorizando, ainda, a naturalidade do ato, sem a necessidade de avisar (ou pedir autorização) o magistrado a respeito da gravação, o que poderia tornar o ato artificial.

III. 4. PORQUE QUALIFICARIA A MAGISTRATURA: MELHORES DECISÕES ORAIS E MELHORES ATITUDES PRÁTICAS

Certo e indiscutível todo o respeito e admiração que qualquer magistrado merece, tal qual o advogado, promotor e demais atores no processo também fazem jus. Mas, infelizmente, também é certo que o dia-a-dia forense faz com que alguns magistrados se desconectem da realidade e/ou das doutrinas e jurisprudências mais recentes. O magistrado é um ser humano e como tal pode cair na perigosa zona de conforto que sua (necessária, diga-se de passagem) estabilidade o dá. Note que não estamos generalizando, apenas constatando aquilo que pode acontecer e, quando ocorre, não é com todos.

Dito de outra forma, alguns julgadores, não interessando necessariamente o momento de sua carreira, parecem desinteressados em fundamentar suas decisões e, às vezes, quando o fazem, não as motivam a contento. Exemplo disso é observarmos determinado desembargador sustentar: “eu não sou constitucionalista”. Ora, isso é uma afronta direta à constituição e se não gera um problema àquele que está sendo julgado, no mínimo, geraria (ou pelo menos deveria gerar) um problema ao próprio magistrado perante sua corregedoria.

Por outro lado, também prestar-se-ia uma contribuição ao Poder Judiciário ao gravar as audiências no momento em que os magistrados cuidariam de tratar com respeito e zelo os advogados e as partes. É reclamação cotidiana da classe a forma por vezes arrogante de alguns juízes ao se referirem aos advogados, seus clientes, ou às testemunhas por ele arroladas ou não.

IV. CASOS DE INDEFERIMENTO (SE FOR FEITO O PEDIDO PARA A GRAVAÇÃO) E DE DESCONFORMIDADE ENTRE O REGISTRO E O ATO

Primeiramente, respeitando opiniões divergentes, ratificamos nosso entendimento de que não é necessário postular, nem mesmo avisar que se está gravando uma audiência ou qualquer outro ato judicial. Isso porque, como já demonstrado, é um direito da parte/seu patrono e, ainda, antecipar que a audiência/sessão/ato será gravado seria como alertar aquele que está acostumado a agir/não agir de determinada forma a modificar seu ato para outro, artificial, deixando de provar aquilo que se quer demonstrar.

Mas, na esfera cível, se for o caso de ter sido realizado o respectivo pedido com antecedência e por escrito e a resposta tenha sido negativa, sugere-se a insurgência por meio de mandado de segurança, já que o agravo de instrumento sofreu sérias restrições de hipóteses de cabimento com o advento do Novo Código de Processo Civil de 2015 (vide art. 1015 do referido diploma legal).

Se o pedido for realizado na própria audiência e indeferido, sugere-se a consignação em ata (sobretudo porque o magistrado não pode deixar de consignar um pedido indeferido – vide arts. 360, inciso V e, analogicamente, art. 459, §3º , ambos do CPC) e, posteriormente, como preliminar de recurso de apelação, o reexame desta decisão interlocutória, conforme preceitua o art. 1009, §1º, do CPC . Claro, neste último caso, a utilidade prática desta reforma traduzir-se-á em uma possível declaração de nulidade da instrução por infringir o princípio da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, da CF).

Na esfera penal, partindo-se do entendimento de que o direito à gravação dos atos processuais é corolário da publicidade processual, o indeferimento gera nulidade sanável por meio de mandado de segurança ou até mesmo pelo remédio do habeas corpus . Se indeferido o pedido realizado no momento da audiência, tal qual ocorre no processo civil – e ele se aplica subsidiariamente – pode-se consignar em ata o pedido indeferido e utilizar tal registro em sede preliminar de recurso de apelação por afronta aos princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, da CF).

No área do direito do trabalho, se feito pedido antecipadamente por petição e indeferido, tal decisão pode ser enfrentada por meio de mandado de segurança. Se feito e negado em audiência, pode ser realizado o protesto antipreclusivo que deverá ser retomado em sede de recurso ordinário (art. 795 c/c art. 893, §1º, ambos do CLT e Súmula 214 do TST).

A respeito da desconformidade entre o registro e o ato, cabe ressaltar, inicialmente, que sendo realizada a gravação integral oficial das audiências, seria difícil imaginar uma situação de não fidelidade com o ato em si, uma vez que se trata de um sistema automático digital, sem interferência de interpretação ou filtragem humana, conforme tendência e previsões já destacadas em diversos diplomas legais. De qualquer forma, qualquer correção/irresignação deve ser realizada no próprio ato oralmente, conforme prevê o art. 209, §2º, do CPC.

Quando a audiência é registrada por meio de taquigrafia ou estenotipia (arts. 210 e 460 do CPC), é naturalmente inviável ao advogado pedir a correção no momento de realização do ato. Eventual desconformidade entre o que de fato ocorreu e o registro oficial do ato (sua transcrição) deve ser apontada “na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão” (art. 278 do CPC). À falta de prazo legal ou judicial, deve-se aplicar a regra geral de cinco dias (art. 218, §3º, do CPC), os quais serão contados a partir da intimação (art. 230 do CPC) dando ciência da transcrição.

Por outro lado, se tratando de termo de audiência desde logo reduzido à palavra escrita, ditada pelo juiz ao escrivão, deve o advogado fiscalizar, primeiro, a fidelidade entre o ato ocorrido e a informação ditada ao escrivão. Havendo incongruência, cabe a ele tomar a palavra e apontar de imediato a necessidade de correção. O juiz poderá acolher o pedido ou manter o texto ditado originalmente. No segundo caso, tanto o pedido de correção feito pela parte quanto o indeferimento devem ser obrigatoriamente registrados se a parte o requerer, conforme o já referido art. 360, inciso V, do CPC e, interpretando-se ampliativamente, o art. 459, §3º, do CPC.

Uma última observação pertinente é a de que o expediente, a comum prática de ressalvar por escrito a objeção quanto ao conteúdo do termo, logo após a aposição da firma, é considerado legítima no âmbito do Direito Material.

Ou seja, consignar na própria ata da audiência, de forma concisa, logo após assiná-la, que o advogado, embora presente ao ato, não concorda integralmente com o registro que nela consta (ou não consta) por essa ou aquela razão, é importante ferramenta para, além de refutar a arguição de preclusão, demonstrar a presunção de boa-fé do profissional naquilo que diz ter ocorrido ou não.

V. E NA DELEGACIA DE POLÍCIA?

Embora não seja objeto da presente pesquisa, cabe ressaltar que se no processo judicial, seja qual ramo for, vigora a regra do princípio da publicidade, na investigação policial preliminar, prepondera o sigilo, até mesmo pela natureza do expediente.

Poderia então o advogado registrar uma oitiva de cliente seu, seja ele testemunha, vítima, suspeito ou indiciado? Ou ainda, estando o próprio advogado em alguma dessas posições, poderia gravar o que ocorre na Delegacia de Polícia?

De acordo com a Súmula Vinculante nº 14, é direito do DEFENSOR, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, desde que já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Poderíamos, a partir daí, analogicamente compreender de que se é direito do defensor ter acesso àquilo que está documentado, e o termo de declarações do seu cliente é um exemplo claro daquilo que é/será documentado, não existiria razão de proibir o registro por meio de áudio ou vídeo do ato em questão.

Por outro lado, da mesma forma que a gravação ambiental clandestina pode ser utilizada em favor do lesado em processos judiciais, deve ser garantida a legitimidade e valor da obtenção dessa prova, sobretudo por uma questão de justa causa e/ou exclusão de ilicitude e/ou proporcionalidade pro reo.

A esse respeito também já se pronunciou, em concordância com o ora exposto, a Associação dos Advogados de São Paulo:

Assim, tanto a audiência transcorrida perante o Judiciário, no curso do processo, quanto o ato investigativo presidido pela autoridade policial são públicos e podem ser gravados por aqueles chamados a neles tomar parte. A utilização do material produzido com essa gravação é que poderá ser reduzida, se houver motivos legais para impor a restrição à publicidade externa.

Por fim, gravar aquilo que ocorre em uma Delegacia de Polícia serviria também como um importante papel de fiscalização e qualificação da atividade policial investigativa que, infelizmente, não raras vezes, se dá com truculência, abuso de autoridade e até mesmo por meio de tortura contra investigados e advogados.

VI. CONCLUSÃO

Outra conclusão não poderíamos chegar: o direito do advogado gravar audiências/sessões de julgamento dos tribunais de justiça e do Júri, bem como do próprio juízo singular tornou-se uma necessidade indiscutível para a profissão, seja na defesa dos direitos do seus constituídos, seja em sua própria defesa.

Há uma série de previsões na Constituição Federal e em Leis Federais (com destaque especial ao novo CPC de 2015), respaldo institucional da OAB e jurisprudencial da mais alta corte do país, bem como doutrina especializada que confirmam não só o direito do advogado registrar tudo que o ocorre durante uma audiência ou sessão de julgamento, mas também o legítimo valor probatório deste ato para utilização futura, se necessário for.

Respeitando entendimento contrário, julgamos desnecessário pedir autorização ou, até mesmo, apenas alertar a parte contrária, seu advogado ou o magistrado que preside o ato, uma vez que a gravação constitui direito da parte e prerrogativa profissional do advogado, podendo, inclusive, se dar em causas que tramitam em segredo de justiça. Se o advogado violar o sigilo interno – se for o caso de sua existência –, que responda (administrativa, civil e criminalmente) por isso, mas não se pode censurar de forma prévia um direito que lhe assiste.

Se para o leitor esta temática é batida e a questão é pacífica, fato incontroverso, com certeza está atuando em um nível de jurisdição bastante qualificado, sem autoritarismo, que não teme pelo registro das suas ações/decisões/omissões. Mas a realidade mostra que o principal obstáculo para a efetivação do direito que tentou-se aqui trazer subsídios para efetuação prática é justamente o impasse entre alguns setores do Poder Judiciário e os advogados.

Por fim, ainda que seja uma questão delicada por tratar-se de momento essencialmente inquisitorial, cujas características são normalmente dotadas de certo sigilo para não prejudicar as investigações, certo é que tal qual o advogado pode ter acesso irrestrito aos elementos de prova já documentados em processo investigatório, também deve poder registrar os atos de investigação de que participa, em analogia à Súmula Vinculante nº 14.

VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO. Gravação de Audiência e o art. 417 do Código de Processo Civil. São Paulo, 2010. p. 11 e 13. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegime… >. Acesso em 12 mai 2017.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

CONHEÇA A TV JUSTIÇA. Disponível em: . Acesso em 12 fev 2015.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO DE SÃO PAULO. Primeira Turma de Ética Profissional do Tribunal de Ética e Disciplina. Exercício Profissional -Gravação De Audiências Pelo Advogado – Possibilidade Legal E Ética. Proc. E- 4.548/2015 – v.u., em 15 5//110/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. SYLAS RIBEIRO – Rev. Dr. JOÃO LUIZ LOPEZ – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA. 588ª Sessão de 15 de outubro de 2015. Fonte:

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