O Direito e a contradição da mulher no espaço de poder
Tatiane de Oliveira*
Muito se tem discutido, acerca da militância da mulher para ocupar espaço na sociedade, de modo que, a percepção de espaço de poder não mais, remete-se apenas a figura masculina. Isso porque, diante das conquistas das árduas lutas femininas para alcançar direitos, hoje as mulheres tem o privilégio de discutir o que entendem que é melhor para elas além de reivindicar
seus direitos.
No decorrer dos séculos, a submissão da mulher esteve intensamente presente na sociedade e, apesar das inúmeras conquistas já alcançadas, ainda mantém fortes marcas na atualidade, atribuindo a figura feminina posição inferior com relação a figura masculina, dificultando a efetivação de direitos já formalmente positivados.
Em face do cenário atual, de forma “omissa” a mulher é submetida ainda por preconceitos implícitos, enquanto isso, de certa forma torna confortável o homem na posição do poder, porque ainda se vê a mulher associada a função de servir.
Embora o marco cultural da evolução das conquistas das mulheres tenha mais visibilidade no âmbito jurídico, a mulher se depara ainda com esta contradição, tendo em vista a lentidão da evolução jurídica da cidadania da mulher no brasil, causada pela “omissão” do reconhecimento dos problemas existentes preconizados por mulheres em ocupar espaços que são seus por
direito.
Quando em 1916 foi aprovado a primeira legislação nacional independente das obrigações das ordenações portuguesas, na qual organizou normas que regiam obrigações privadas dos brasileiros, que foi baseada com lastro na constituição de 1891 baseada em políticas segregacionistas, poder de coronelato e das elites brancas, ou seja, na cultura da mulher de servir, a tornava propriedade privada do pai e depois do marido.
Isso porque tinha limitação na capacidade da mulher para contratos e atividades, pois exigiam consentimento do marido para manifestação da vontade da mulher e não contemplavam direitos como o divórcio e decisões familiares, sendo privadas do poder pátrio que era especifico do pai ou marido, de modo que, herança e privilégios sociais eram definidos pelo gênero da pessoa e a mulher não estava contemplada.
O direito ao voto pelas mulheres foi concedido em 1932 por meio do Decreto 21.076, que criou a Justiça Eleitoral, considerado o primeiro e grande marco para as mulheres tendo seus direitos políticos garantidos. Até então os adversários do voto feminino declaravam que se as mulheres tivessem direito a votar seria decretada a dissolução brasileira, por mulheres não terem capacidade pois no estado não tem o mesmo valor do homem.
Em tom poético, o deputado Serzedelo Correa (PA) afirmou:
— A mulher, pela delicadeza dos afetos,
pela sublimidade dos sentimentos e pela
superioridade do amor, é destinada a ser o anjo
tutelar da família, a educadora do coração e o
apoio moral mais sólido do próprio homem. Jogá-la
no meio das paixões e das lutas políticas é tirar-lhe
essa santidade que é a sua força, essa delicadeza
que é a sua graça, esse recato que é o seu segredo.
É destruir, é desorganizar a família. A questão é de
estabilidade social.
Outra evolução da cidadania da mulher foi a CLT de 1943, onde tinha um capitulo dedicado a proteção do trabalho da mulher e da maternidade, onde não eliminava a capacidade jurídica da mulher que precisava da expressa autorização do marido para trabalhar fora de casa. Na década de 1879 as mulheres passaram a ter direito de ingressar em uma universidade por meio do Decreto Lei nº 7.247/1879. Ainda assim, a matrícula deveria ser feita por seus pais ou maridos.
A inserção no mercado de trabalho muitas vezes era precária e informal, menos qualificadas e com menores salários, porque o salário da mulher era visto como uma complementação de renda do marido e essas poucas conquistas ligada a inclusão no mercado de trabalho ainda com salários infinitamente menores, cargos sem qualquer relevância foram garantindo aos poucos independência financeira, conhecimento de seus direitos e acabaram por ampliar a exigência de cada mulher por liberdades, por participações de escolhas de suas famílias, tendo relevância para a sociedade.
Os movimentos sociais em prol de liberdade sexual, física, psicológica, patrimonial e liberdade em decidir seu destino tornaram bandeiras importantes nas lutas feministas que ainda é, nos dias atuais pautas necessárias a evolução para a emancipação feminina e construção da sociedade.
Em 1962 fundou-se o estatuto da mulher casada e o marido deixou de ser o chefe absoluto da sociedade conjugal, então a mulher não precisava mais da permissão do marido para trabalhar, poderia receber herança e também na hipótese de separação poderia requerer a guarda dos filhos, tornando-se economicamente ativa e passou a compartilhar o pátrio poder.
Sancionada em 1977 a lei do divórcio, que passou a priorizar a guarda dos filhos a mãe e o direito de voltar a usar o nome seu nome de solteira, já que era regida a cultura tradicional que obrigava usar o sobrenome do marido. Maior marco sem sombra de dúvida foi a constituição de 1988 que consagrou a igualdade plena entre homens e mulheres, mais sobretudo não só a igualdade no sentido da não discriminação, uma igualdade positiva, promocional, afirmativa, baseada no apoio, proteção e garantias especiais pra equiparar esses direitos, reconhecendo, porém, as diferenças.
Só no ano de 2006 com a lei maria da penha foi criminalizada a violência contra a mulher, precavendo mecanismos e punição ao agressor. Em 2015 o feminicídio entra no rol do Código Penal e todos esses avanços sempre impulsionados em movimentos sociais pela doutrina que começou a avaliar esta evolução lenta da cidadania da mulher.
Entretanto, o fardo da teoria que o “filho é da mãe” na sociedade que tem enraizado fortes tradição patriarcal, de certa forma invalida muitos dos direitos já alçados por mulheres até aqui. Teoricamente a evolução dos direitos é motivacional, porém na prática se vê é muitas dificuldades e contradições.
As barreiras que impedem o desenvolvimento da mulher para chegar no espaço de poder ainda são maiores quando são mães, que precisam realizar verdadeiros malabarismos.
Vale destaque a profissional advogada que é mãe solo que lidam todos os dias com desafio de conciliar a vida pessoal do profissional, e apesar de toda a formalidade que a profissão pede, muitas vezes com toda a carga que carrega não consegue entregar o que gostaria, tendo que em um dia realizar inúmeras tarefas, desde cuidar dos filhos, casa, prazos e sobretudo manter-se
aparentemente bem vestida com harmonioso semblante além de ser muito inteligente, ou não será vista como uma boa profissional.
No ano de 2016 o estatuto da OAB percebe o capítulo importante da história dos direitos da mulher seja ela na fase gestante, adotante ou lactante, porém não estende ainda os direitos pós esta fase de modo que dê a mulher segurança para a maternidade além da amamentação, isso porque os desafios da maternidade se entendem por muitos anos.
A militância da mulher na luta por seus direitos e igualdade ainda tem muito a evoluir, é importante apreciar cada passo dado de nossas conquistas, reconhecer o mérito da atuação da mulher e aplaudir o empenho e dedicação da evolução histórica na sociedade com a introdução do meio jurídico.
*Tatiane de Oliveira é advogada criminal