O “homem de bem” comete crime?
O grau de violência e a intensidade dos comportamentos antissociais violentos chegaram a níveis insuportáveis. Isto se dá, segundo a criminologia, pela elevada dívida para com as gerações passadas e pelo esquecimento de nossos jovens, cujas omissões injustificadas do Estado (e também da sociedade) causaram um déficit social gigantesco. Estamos, agora, a pagar a conta por nossa inação. São crimes demais e precisamos reduzi-los, sob pena da concretização da barbárie.
Mas, dentro desta perspectiva, a sociedade se lembra apenas daqueles delitos cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, dos atos contra a dignidade sexual e da corrupção, esquecendo-se de que todos, ao longo de sua existência, cometem crimes das mais variadas formas. É isso mesmo: todos já praticaram condutas criminosas. Foi nessa discussão que me lembrei da famosa e tão falada figura do “homem de bem”.
Mas quem é o “homem de bem”? Segundo a pessoas próximas a quem perguntei, o “homem de bem” é aquele que vive de seu trabalho ou tem renda própria, que tem família, que é um bom pai e uma boa mãe, enfim, que luta todos os dias para trazer ao seu lar o pão de cada dia.
O outro lado da moeda é justamente o criminoso, que, segundo criminólogos, é simplesmente a pessoa que praticou crime, ou seja, quem comete um comportamento que se adequa ao que vem previsto na lei penal. Não importa a gravidade. Criminoso é quem cometeu crime.
Mas o “homem de bem” é capaz de praticar delitos? Será?
Para responder a esta indagação, façamos um simples esforço de memória, para verificarmos se “ele” comete alguns desses comportamentos a seguir exemplificados: recebe objeto emprestado de alguém e não restitui, incorre no crime de apropriação indébita; ingeri álcool e passa a conduzir veículo automotor, pratica a embriaguez ao volante; ameaça alguém para que pague uma dívida, cuja responsabilidade penal será pelo exercício arbitrário das próprias razões; atribui a quem não gosta adjetivações negativas à sua dignidade ou decoro (chamar de corno, por exemplo), o delito de injúria estará presente; enquanto funcionário público, intencionalmente leva canetas bic, folhas de papel chamex e clips para casa, a grave infração de peculato é de rigor; quando na ocasião de criança, abria embalagens de chocolate das lojas Americanas ou Lobrás, para consumir, poderia ensejar o ato infracional que se equipara ao furto; “achado não é roubado” realmente é uma frase correta, pois se trata de infração de apropriação indébita de coisa achada; quando os mais experientes levavam lança perfume para os blocos de carnaval, para consumir com os amigos ou apenas para oferecer a terceiros, cometiam delito presente na lei de drogas, podendo até subsumir-se ao tráfico de entorpecentes; entregar atestado médico falso é uso de documento falso; dar “carteirada” para entrar no estádio de futebol ou festas, demonstra abuso de autoridade; retornar ao Brasil, com perfume e camisas vindos dos EUA ou de qualquer outro país, em quantidade superior à permitida, iludindo pagamento de tributo, pratica o descaminho; pedir para dar “um jeitinho” e não parar na blitz, o particular comete corrupção ativa e o servidor público pratica corrupção passiva privilegiada.
Diante do rol tão extenso de fatos previstos na legislação penal, é praticamente impossível viver a vida sem ser infrator ao menos uma vez. O homens bons também atuam à margem da lei. Mesmo que alguns digam que tais comportamentos são menos graves, não se pode negar que um delito ocorreu.
Nesta hora, lembro-me de um grande amigo que dizia: quando se aponta o dedo para alguém, quatro estão apontados para você mesmo. Se é para implementar a tolerância zero, que seja para todos.
Dr. Leonardo de Moraes – Presidente da ABRACRIM-AL