O pacote “anticrime” e seus impactos na colaboração premiada: primeiras impressões
Valber Melo
Filipe Maia Broeto
Sancionada em 24 de dezembro de 2019, a Lei 13.964, intitulada “Pacote Anticrime”, promove uma verdadeira reforma na legislação penal e processual penal, alterando paradigmas substanciais, tanto do ponto de vista processual (Código de Processo Penal) quanto “material” (Código Penal e Legislação Penal Extravagante).
Não obstante empregue na epígrafe o verbo “aperfeiçoar” , dando a entender que traria – apenas – melhorias à sistemática penal e processual penal, fato é que as modificações implementadas pela novel legislação trazem, por um lado, avanços, assim como institui, por outro, insofismáveis retrocessos.
Uma vez que as mudanças foram muitas, e substanciais, far-se-ão, por meio do presente artigo, algumas ponderações no tocante ao artigo 14, que trata especificamente do tema colaboração premiada, sobre o qual os autores vêm escrevendo há certo tempo.
A propósito, cumpre consignar que muitas das modificações introduzidas pelo “Pacote Anticrime” já foram abordadas em livro específico sobre o tema , bem assim em inúmeros artigos publicados nos mais variados sítios jurídicos.
Como sempre se fez questão de pontuar quando das críticas endereçadas à Lei de Organizações Criminosas, apesar de ter ela tratado como nenhuma outra o tema da colaboração, ainda assim havia muitas lacunas, o que justificava as abordagens e proposições mais “rígidas”.
Malgrado a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, tenha tido a nobre intenção de “Aperfeiçoa[r] a legislação penal e processual penal”, o que conseguiu em vários aspectos, lacunas e contradições seguem existindo, de modo que as críticas e sugestões também se farão presentes, sobretudo porque, antes de faculdade, contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis é regra deontológica fundamental do advogado.
Diante desse contexto, fazem-se algumas pontuações acerca do que passa do “plano doutrinário ao legislativo”, bem ainda do que, mesmo com a modificação, pelo menos aprioristicamente, segue merecendo atenção dos estudiosos do tema.
Inicialmente, estabelece o artigo Art. 3º-A, da Lei 13.964, que “O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos”. De fato, esse entendimento já estava mais que sedimentado pela doutrina e jurisprudencia pátrias.
Deve-se ter em mente, todavia, que o sobredito dispositivo trata da natureza jurídica “do acordo” de colaboração premiada em si, que não se confunde com a “colaboração premiada” propriamente dita. Assim se argumenta, na medida em que a colaboração independe de acordo expresso, já que se trata, em verdade, de uma “postura” colaborativa a qual extrapola o mero firmamento de um “instrumento contratual”.
Nesse sentido, mesmo com a modificação recentemente produzida, parece não ter o legislador se atentado à chamada “colaboração premiada unilateral”, que merecia ter sido abordada de forma expressa nessa reforma de “aperfeiçoamento”, a fim de afastar o ceticismo, por parte de alguns “operadores do Direito”, quanto à sua viabilidade no atual cenário processual, notadamente porque tal modalidade colaboracional, conquanto não seja um negócio jurídico processual, demonstra utilidade e interesse públicos.
Por outro lado, o artigo 3º-B estabelece que “O recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial”.
Como é cediço, a práxis já impunha a assinatura de termo de confidencialidade entre autoridades públicas, colaborador e advogado, quando da celebração de acordo de colaboração premiada. Mesmo assim, o vazamento de informações tão logo se assinava o acordo era a regra – vide as inúmeras manchetes oriundas da “Operação Lavajato”, conduzida pelo idealizador do “Projeto Anticrime” –, o que acabou prejudicando sobremodo o próprio instituto.
De ver-se que as violações não raras vezes ocorriam por autoridades investigativas, o que já era previsto como crime funcional no artigo 325, do Código Penal. O colaborador que violasse o acordo, divulgando dados sigilosos, certamente seria a parte mais prejudicada, motivo pelo qual não se chegou a tributar-lhe os incontáveis vazamentos divulgados na mídia nacional.
De toda forma, pelo menos a priori, não se verifica nenhum preceito secundário no artigo 3º-B, mas apenas “um tipo remetido”, em relação aos agentes públicos, e uma possível quebra da boa-fé, a redundar no âmbito de eficácia do acordo, sem projeções criminais autônomas ao colaborador, senão a rescisão do pacto premial. Em síntese: parece uma inovação simbólica, que não altera substancialmente o que já era disciplinado.
Ainda no artigo 3º-B, mais especificamente em seu primeiro parágrafo, passa-se a impor uma espécie de motivação para o indeferimento sumário da proposta de acordo de colaboração premiada. Acertada a alteração. Nesse ponto, já se defendia que o Ministério Público não pode simplesmente dizer que não tem interesse em firmar um acordo de colaboração e ponto.
Deveras, num Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil, o Parquet deve explicitar as razões pelas quais não entende viável a formalização de acordo premiada. Isso decorre, inclusive, da própria CFRB que, ao tratar da Instituição Ministério Público [art. 129, §4º], estabelece que ao órgão se aplica, no que couber, o artigo 93, da Carta Magna.
Ora, é justamente o inciso IX do artigo 93, da CF88, plenamente aplicável ao Ministério Público, que assegura a motivação de todas as decisões. Evidentemente que a motivação para a não celebração de acordo de colaboração premiada é conditio sine qua non para o exercício de controle sobre a postura ministerial, sem o que se abre campo para o arbítrio e seletividade, totalmente inaceitáveis num Estado Democrático de Direito.
Mais adiante, no §6º, estabelece-se que “Na hipótese de não ser celebrado o acordo por iniciativa do celebrante, esse não poderá se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo colaborador, de boa-fé, para qualquer outra finalidade”. Aqui, evidentemente, o celebrante poderá ser o Ministério Público ou, no curso da investigação, o delegado de polícia.
Ao que se nota, referido dispositivo melhor delimita o que já era previsto no artigo 4º, §10, da Lei 12.850/2013, cuja redação segue valendo: “As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”.
O artigo 3º-C, por sua vez, inova ao restringir a colaboração ao “objeto da investigação”, o que revela inegável avanço, digno de elogios. Segundo o §3º, do retrocitado dispositivo, “[n]o acordo de colaboração premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados”.
Note-se que tal previsão atende às críticas da doutrina, que via como um verdadeiro abuso ter o colaborador que, num determinado procedimento investigativo, falar sobre fatos totalmente alheios à investigação, sob pena de, mais à frente, ser acusado de ter feito reserva mental. Doravante, se há investigação, por exemplo, sobre crimes de corrupção praticados no âmbito do poder legislativo, em período determinado, deverá o colaborador esclarecer tudo o que sabe sobre esses fatos, não sendo obrigado a declarar nada que não esteja, geográfica e/ou temporalmente, compreendido no específico âmbito das investigações.
Outra grande inovação implementada está no artigo 4º, da Lei 12.850/2013. O legislador, nesse ponto, amplia as causas de improcessabilidade. Antes, somente era albergado quem não fosse o líder da organização criminosa e delatasse “por primeiro”. Agora, com a nova redação, “o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador […]”.
O §4º-A, do artigo 4º, por sua vez, em verdadeira interpretação autêntica, visando evitar controvérsias, esclarece que “Considera-se existente o conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial competente tenha instaurado inquérito ou procedimento investigatório para apuração dos fatos apresentados pelo colaborador”.
Ou seja, toda e qualquer informação sobre a qual não houver sido instaurada investigação formal deverá ser encarada como inédita, podendo o Ministério Público, em casos tais, deixar de oferecer a denúncia [causa de improcessabilidade ou imunidade processual]. A medida, para além de fornecer mais segurança jurídica ao colaborador, fomenta a ampliação do espectro investigativo, potencializando o instituto da colaboração premiada.
No §7º, do artigo 4º, o legislador complementa o regramento anterior, visando “aperfeiçoar” críticas severas que eram feitas a vários acordos de colaboração premiada. Embora tenha mantido a audiência prevista no §7º, da antiga redação , ampliam-se e especificam-se, em quatro novos incisos, que aspectos devem ser levados em consideração, pelo juiz, quando da homologação, a saber:
I – regularidade e legalidade;
II – adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo;
III – adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo;
IV – voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares.
O inciso I já estava compreendido no corpo do pretérito §7º; agora, passa a ter previsão autônoma em dispositivo apartado.
O inciso II, a seu turno, atendendo a críticas doutrinárias relevantes, sedimenta a impossibilidade de previsão cumprimento de pena e progressão de regime fora das hipóteses legais, previstas no artigo 33, do Código Penal, e dispositivos específicos atinentes à progressão. A título de exemplificação, vejam-se as críticas feitas por Aury Lopes Junior, já nos idos de 2017, por ocasião da 13ª – Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da JBS:
[…] Terceiro, fixação do tempo máximo de cumprimento do restante da pena: isso aqui tem sido recorrente nos acordos, independentemente da pena cominada na sentença. Depois, eu vou falar desse atropelo. O Ministério Público não tem poder sobre pena, mas está estabelecendo pena, está estabelecendo cláusulas assim: “Você vai ficar preso no máximo de três a cinco anos, independentemente da pena que o juiz fixar.” Isso é absolutamente ilegal! E ainda mais: cumprindo regime semiaberto, independentemente da quantidade de pena, qualquer que seja a quantidade do regime aberto. Mas como? O art. 33 é muito claro: até quatro anos, substitui; de quatro a oito, é semiaberto; de oito para cima, é fechado. O MP não pode fazer isso.
No acordo do Alberto Youssef, nós encontramos a mesma previsão: tempo máximo de cumprimento da pena, independentemente de o que o juiz fixar, de três a cinco anos, com progressão automática, ilegal, do fechado para o aberto. Ilegal, porque não pode haver progressão per saltum. E aí o acordo diz, expressamente, mesmo que não estejam presentes os requisitos legais. Isso é assumir que você vai progredir contra a lei. É uma cláusula absolutamente ilegal.
Ocorria, aqui, o que Afrânio Silva Jardim denominou de prevalência do negociado sobre o legislado. Doravante, a valer o novo regramento, não mais existirão os chamados “regimes fechados/semiabertos/abertos + diferenciados”, por um simples motivo: eles não existem na lei! O adjetivo diferenciado, na prática, não detinha valor ontológico, figurando como cláusula geral, de conteúdo variável e indefinido, adaptável de acordo com o momento e as pessoas.
O inciso III positiva a denominada aptidão eficacial , ao determinar ao juiz que verifique a “adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo”, o que, ao mesmo tempo em que evita grandes prêmios para pequenas colaborações, impõe, ainda que de forma velada, uma certa antecipação cognitiva do magistrado aos termos e possíveis resultados do acordo.
Aqui, ao menos no que diz respeito aos acordos celebrados durante a investigação criminal, não mais caberá questionar a “Homologação do acordo de delação como causa (i)legal de (pre)julgamento” , justamente porque tal ato dar-se-á pelo juiz das garantias, como disciplinado no artigo 3º-B, inciso XVII, do Código de Processo Penal.
Por fim, ainda no §7º, inciso IV, impôs-se ao juiz mais “atenção” na análise do requisito da “voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares”. Nesse quesito, em que pese o esforço legislativo, a crítica de há muito formulada segue intacta: a celebração de acordos de colaboração premiada com réus presos parece retirar, por si só, a voluntariedade do colaborador, transformando-se em verdadeiro instrumento de tortura moderna. –
O novo artigo §7º-A, também visando afastar a condenação automática ou mesmo uma supressão das hipóteses de absolvição sumária do artigo 397, do Código de Processo Penal, inova ao estabelecer ao juiz o dever de “proceder à análise fundamentada do mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas de aplicação da pena, nos termos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), antes de conceder os benefícios pactuados, exceto quando o acordo prever o não oferecimento da denúncia na forma dos §§ 4º e 4º-A deste artigo ou já tiver sido proferida sentença”.
Na antiga sistemática, como já alertava Daniel Del Cid, retirava-se do magistrado, num primeiro momento:
(…) a possibilidade de rejeição da denúncia e aplicação da absolvição sumária (artigos 395, I a III, e 397, I a III), e, em outro momento, retira também a possibilidade de absolvição do(s) réu(s), nos termos do artigo 386, I a VII. E isso ocorre porque, ao homologar o acordo, o magistrado já faz um juízo preliminar da acusação que antecede a denúncia, exercendo um juízo de controle da acusação. Se os requisitos legais do acordo são os mesmos requisitos obrigatórios da denúncia e o próprio magistrado exerce um poder de controle na homologação desse acordo, a lei obriga o magistrado a receber a denúncia ou, sob outro ponto de vista, ao menos, impede que o magistrado rejeite a denúncia pela ausência de algum dos requisitos que ele mesmo já homologou como satisfeitos. Como o juiz irá rejeitar a denúncia, por exemplo, por inépcia se a descrição dos fatos e circunstâncias são pressupostos obrigatórios para a homologação do acordo? Isso acontece também na análise da justa causa ou, ainda pior, em caso de absolvição sumária. Como o juiz irá rejeitar a denúncia e absolver sumariamente o(s) réu(s) dizendo que “o fato narrado não constitui crime”, sendo que na homologação do acordo ele próprio já aceitou os fatos narrados como descrição típica do ilícito?
A despeito da nova redação, não se pode assegurar o completo alheamento do magistrado, o que ainda permite uma espécie de pré-julgamento (ou quebra da originalidade cognitiva), sobretudo se se levar em consideração o §8º, que permite ao juiz a recusa à homologação, oportunidade em que o magistrado devolverá o acordo às partes “para as adequações necessárias”. Nessa hipótese, em havendo o “conserto” do acordo, já se sabe a pré-disposição do julgador, que se antecipou no conhecimento do caso penal.
Superada essa discussão, no § 10-A, notadamente após o julgamento de agravo interposto na ordem de habeas corpus n. º 157.627, passou-se a assegurar, em todas as fases do processo, ao réu delatado, a oportunidade de manifestar-se após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou, em nítido prestigio ao direito ao confronto.
Precisou o legislador dizer, de forma literal, que o réu tem o direito de falar por último, porquanto só assim poderia exercer plenamente o contraditório, que pressupõe primeiro o direito de ciência, após o que poderá, ou não, haver manifestação, a qual deverá ser sempre fomentada, tudo com vistas à efetivação de um contraditório substancial, com real possibilidade de influência da cognição do julgador.
No §13, outra vez mais, o legislador se mostra atento aos reclames da doutrina, passando a prever, de forma expressa, a necessidade do “registro das tratativas e dos atos de colaboração deverá ser feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações, garantindo-se a disponibilização de cópia do material ao colaborador”.
Com efeito, os autores já haviam defendido tal tese, sustentando que “com a gravação audiovisual de todos os atos antecedentes à formalização do acordo (tratativas), para além de emprestar mais fidedignidade ao acordo e segurança ao colaborador, viabilizar-se-á efetiva fiscalização do Poder Judiciário também nesta fase, que, atualmente, é totalmente restrita aos contratantes”.
Inegável o avanço, pois, nesse tocante.
Já no §16º, o texto amplia as hipóteses de “imprestabilidade das palavras do colaborador”, quando isoladamente consideradas. Na antiga redação, nenhuma sentença condenatória poderia ser proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador. Agora, na linha do que já se defendia , tem-se que “Nenhuma das seguintes medidas será decretada ou proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador: I – medidas cautelares reais ou pessoais; II – recebimento de denúncia ou queixa-crime; III – sentença condenatória”.
A toda evidência, a inovação legislativa reflete bem a tese de que a colaboração premiada não pode, por si só, funcionar como fumus commissi delict nem mesmo em provimentos não definitivos, proferido antes de o processo ser deflagrado ou, após a deflagração, em seu curso, de forma incidental.
À guisa de conclusão, visando prestigiar os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da confiança, por meio do §17, passou-se a prever que a rescisão do acordo, em razão de omissão do colaborador, somente poderá se dar a título de dolo. Ou seja, caso se constate eventual lacuna na narrativa do colaborador, dever-se-á perscrutar se esta se deu por mero descuido, em razão do tempo decorrido e/ou da complexidade dos fatos, ou de forma consciente e voluntária. Evidentemente que, nesse caso, a complementação da colaboração premiada (analisada objetivamente) terá o condão de afastar a rescisão do pacto por esse motivo, evitando-se discussões subjetivas acerca da postura omissiva.
Por derradeiro, dado o caráter genérico de algumas cláusulas premiais que impunham a rescisão do acordo em caso de prática de crime doloso, após a celebração do acordo, criou-se o §18, segundo o qual “O acordo de colaboração premiada pressupõe que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração, sob pena de rescisão”.
De agora em diante, na linha do que já se trabalhava , somente poderá haver a rescisão do acordo de colaboração premiada, pela prática de crime doloso, quando houver “pertinência delitiva”, ou seja, quando a conduta ilícita estiver relacionada ao objeto da colaboração. Continua-se defendendo, portanto, que:
[…] a rescisão do acordo de colaboração premiada, calcada na “prática de novo crime”, deve ser interpretada como “prática de novo crime doloso, após a homologação do pacto premial, desde que tenha a mesma natureza dos fatos albergados no contrato de cooperação” e – o mais importante – somente após a devida formação da culpa, ou seja, após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, sob pena de a cláusula padecer de insuperável inconstitucionalidade.
Em apertada síntese, nota-se que grande parte das modificações legislativas implementadas pela Lei 13.964, intitulada “Pacote Anticrime”, pelo menos no que diz respeito ao instituto da colaboração premiada, nada mais é do que a positivação das várias ponderações feitas pela doutrina brasileira, após a constatação prática de lacunas normativas que punham colaboradores e delatados em situação de fragilidade e insegurança jurídica.
Com a nova disciplina, percebem-se mais avanços do que retrocessos e, embora continuem a existir lacunas (como a necessidade de implantação do método do discovery , que objetiva estabelecer um sinalágma entre autoridades públicas e colaborador) ou pontos controvertidos (tal qual a existência e viabilidade da colaboração premiada unilateral), no que toca à colaboração premiada, as modificações merecem elogios.
Referências bibliográficas
BROETO, Filipe Maia; MELO, Valber. Gravação audiovisual das tratativas do acordo de colaboração é possível? Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 13, no 1623. Disponível em: <https://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/artigo/5033/gravacao-audiovisual-tratativas-acordo-colaboracao-possivel-> Acesso em: 27 dez. 2019.
BROETO, Filipe Maia; SILVA, Marcelo Rodrigues da. O Valor Probatório da Colaboração
Premiada Cruzada. In: GOMES, Luiz Flávio; SILVA, Marcelo Rodrigues da; MANDARINO, Renan Posella (Org.). Colaboração Premiada: Novas Perspectivas para o Sistema Jurídico Penal. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2018. p. 157-171.
CID, Daniel Del. Homologação de acordo delação e a justa prestação jurisdicional – Conjur. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022…
MELO, Valber; NUNES, Filipe Maia Broeto. Homologação do acordo de delação como causa (i)legal de (pre)julgamento – CONJUR. Disponível em: