O papel da mulher na advocacia
Jackie Francielle Anacleto*
RESUMO:
O presente artigo é uma construção histórica da mulher na advocacia. Isto ocorre por se tratar de campo de pesquisa sobre como a mulher conseguiu ocupar o seu espaço, nessa profissão de tamanha notoriedade na sociedade, como rompeu com os paradigmas políticos para ocupar esse espaço, e como lutar para alcançar uma equidade entre homens e mulheres, e com isso respeitar nossa essência FEMININA.
PALAVRAS CHAVES:
Mulher na advocacia, Militância da mulher, Mulheres pioneiras na advocacia, Discriminação de gênero, Igualdade salarial e Espaços de lideranças.
INTRODUÇÃO:
Esse artigo é escrito por uma mulher negra que ingressou no meio jurídico há 20 anos ainda bem jovem, ao receber esse maravilhoso convite para escrever sobre a militância da mulher na advocacia, confesso que senti certo peso por se tratar de um tema difícil, pois, queria trazer algo novo que de fato me encorajasse a impactasse as minhas colegas na advocacia.
Logo, trago uma abordagem breve e histórica de como a mulher iniciou na advocacia, e tive nesse início de pesquisa uma grata surpresa, nós mulheres somos a maioria no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, ou seja, hoje o número de mulheres advogada é superior ao número de homens advogados.
Porém, mesmo sendo a maioria, ainda enfrentamos resistências, padrões políticos sociais onde as mulheres têm poucos cargos de liderança dentro OAB, e nós mulheres advogadas temos remuneração inferior aos colegas homens advogados, e sabemos que essa desigualdade salarial não tem haver com capacidade e competências.
E como equiparar a remuneração entre homens e mulheres na advocacia? Romper os padrões da sociedade que ainda acredita que homem por uma condição de gênero merece ter uma remuneração superior, e nós mulheres como nos posicionarmos sem perder nossa essência, nossos valores, porque existem diferenças, especificidades entre os gêneros e como ser mais bem valorizada sem perder o nosso poder feminino.
E presente artigo busca trazer essas reflexões e de alguma maneira contribuir com a advocacia FEMININA.
Abordagem história
Segundo dados recentes extraídos do site www.maismulheresnopoderbrasil.com.br junto Ordem dos Advogados do Brasil, o número de mulheres já supera o de homens entre os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil.
Sendo assim, essa geração de mulheres na advocacia trás um feito histórico, porém, isso somente foi possível porque houve as pioneiras as desbravadoras, as primeiras empreendedoras dentro da advocacia, logo começo falando de maneira breve de Esperança Garcia a primeira mulher advogada.
O Conselho Pleno da OAB Nacional reconheceu em 25 de Novembro de 2022, que a primeira mulher advogada é Esperança Garcia uma mulher negra escravizada que em 6 de Setembro de 1770, escreveu uma petição ao governador da capitania do Piauí denunciado maus-tratos a ela e seus filhos, e a mesma condição ocorria com outras mulheres pretas escravizadas, muitas mulheres e homens mesmo em meio a escravidão lutaram e conseguiram a sua sonhada liberdade.
Ao declarar Esperança Garcia a primeira mulher advogada, temos uma reparação histórica de reconhecimento que visa viver a restauração e a justiça no sentido de ver o passado para que não venhamos a cometer novamente aquelas atrocidades presente.
Com esse exemplo entendemos que jamais devemos nos acovardar diante das desigualdades e situações que afligem a dignidade humana.
Importante citar, que os primeiros cursos de direto no Brasil tiveram inicio em 1827, simultaneamente em Olinda e São Paulo; “a primeira mulher a conseguir ingressar na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco foi Maria Augusta Saraiva, no ano de 1897, setenta anos após a sua criação. Sendo ainda, Maria Augusta a primeira mulher a atuar no Tribunal do Júri. Maria Augusta foi tão brilhante durante os estudos que, ao se formar em 1902, recebeu como premiação uma viagem à Europa e retornando ao Brasil, estreou na tribuna em São Paulo, e atuou em dois casos. Por não existir ainda OAB na época, não existe registro seu como advogada na sede de São Paulo (BARRETO, 2019)”.
Nota-se que demoramos 70 (setenta) anos para ter acesso ao curso de direito, e mesmo sendo pioneira Maria Augusto teve uma posição de destaque no Tribunal de Júri, a primeira mulher advogada com registro na OAB foi Myrthes seu ingresso no quadro da OAB só foi aprovado em 1906, com 23 votos a favor e 15 votos contra, ficando clara a resistência à mulher na advocacia, porém, cita-se o seu discurso de investidura:
(O País, Rio de Janeiro, p. 2, 1899): […] Envidarei, portanto, todos os esforços, afim de não rebaixar o nível da justiça, não comprometer os interesses do meu constituinte, nem deixar uma prova de incapacidade aos adversários da mulher como advogada. […] Cada vez que penetrarmos no templo da justiça, exercendo a profissão de advogada, que é hoje acessível à mulher, em quase todas as partes do mundo civilizado, […] devemos ter, pelo menos, a consciência da nossa responsabilidade, devemos aplicar todos os meios, para salvar a causa que nos tiver sido confiada. […] Tudo nos faltará: talento, eloquência, e até erudição, mas nunca o sentimento de justiça; por isso, é de esperar que a intervenção da mulher no foro seja benéfica e moralizadora, em vez de prejudicial como pensam os portadores de antigos preconceitos.
Esse discurso é antigo, mas jamais desatualizado que tenhamos essas palavras como norte para fazer valer o número expressivo de mulher na advocacia.
Discriminação de gênero
Após essa breve retórica histórica onde se deixa claro que não existe mais óbice para que a mulher ingresse na advocacia, é importante frisar que ainda assim, após tantas lutas e muitas vitórias enfrentamos discriminação por sermos MULHERES.
Nós mulheres somos 50,51% inscritas no quadro da OAB, em maio de 2009, representávamos 44,72%. Durante este período, houve um incremento de 60 mil advogadas inscritas e um decréscimo de quase 4 mil advogados. E nessas estatísticas por estados, o destaque foi o estado de Roraima, contando com 63,77% de mulheres advogadas, seguido de perto por Santa Catarina, com 60,54%, e pelo Paraná, com 60,1%.
Em que pese o número expressivo de mulheres inscritas no quadro da Ordem dos Advogados Catarinense, a Dra. Elidia Tridapalli e Cláudia Regina Nichnig faz parte das poucas mulheres que ocupam cargos de liderança na OAB. Na atual gestão da Diretoria OAB/SC, há apenas uma mulher, que é a Secretária Geral Adjunta, a advogada Elidia Tridapalli, e no Conselho Estadual, dos 52 integrantes apenas nove mulheres compõem o órgão. A sub-representação também não é diferente na atuação das mulheres na composição do Tribunal de Justiça (TJ/SC), dos 40 desembargadores, somente quatro são mulheres.
É notória a discrepância entre o número de homens em cargo de liderança em equiparado ao número de mulheres, nesse sentido cita-se a doutrina:
Essa realidade não é determinada pela falta de capacidade feminina ou por diferenças biológicas que diminuam tais habilidades. Ao contrário, cada ser humano, independente de gênero tem seus próprios potenciais, suas distinções que o tornam singular perante o mundo. As discriminações sociais são determinadas por preceitos históricos ultrapassados (SALES, 2018).
Ademais como senão bastasse o fato de ter poucas mulheres preenchendo cargos de lideranças, seja dentro da OAB, ou mesmo no poder judiciário dentre os desembargadores, a mulher advogada sofre discriminações diárias de gênero exercendo suas atividades ordinárias dentro da advocacia.
Exemplos de discriminação de gênero acontecem quando a advogada impedida de adentrar nas dependências do fórum pelo cumprimento da sua roupa, outro fato não raro uma advogada humilhada por juiz em audiência; quando mesmo estando com a palavra, se dirigem ao sócio homem, quando uma parte lhe falta com decoro, quando não somos levadas a sério, quando seus honorários são desvalorizados, quando não existe sala de amamentação para advogada lactante, a falta de respeito advogada.
Para melhor dispor sobre discriminação, cita-se Tammy Fortunato:
No que concerne ao contexto histórico de desigualdades sofridas pelas mulheres, traz-se o pontuado por Perrot, onde aborda que: No século XVII ainda se discutia se as mulheres eram seres humanos como os homens ou se estavam mais próximas de animais irracionais”. Somente no final do século XIX é que as mulheres puderam ter direito à educação, iniciando falas em prol de mulheres e de sua história somente no século XX.
Tratando-se de discriminação dentro da advocacia, aqui abro parênteses para abordar situação de cunho pessoal, fui mãe no ano de 2014 e a legislação não previa que a mulher lactante, advogada autônoma pudesse pedir suspensão de audiência por ser lactante, a primeira audiência realizada após o nascimento da minha filha mais velha ocorreu 10 (dez) dias após o parto.
Mesmo sendo uma gestação de alto risco, tendo a bebê passado as primeiras horas de vida na UTI neonatal, sem dormir, com dificuldades na amamentação, com apenas 10 (dez) dias após o parto tive que enfrentar uma audiência difícil de direito de família, um divórcio extremamente litigioso tendo o processo terminado 05 (cinco) anos após a audiência, tive que estar firme, cumprindo prazos e audiências, presente militando, não sendo permitido requerer a suspensão da audiência e prazos, é visível o desequilíbrio entre homens e mulheres nessa situação.
Observa-se, nesse caso quão difícil é para a mulher militar na advocacia, em Setembro de 2015, tivemos o incremento do Plano Nacional da Mulher Advogada, com objetivo de fortalecer os direitos humanos da mulher, entrando em vigo no ano 2017.
Desde então alguns direitos são dados à mulher lactante como isenção da anuidade, podendo pedir suspensão das audiências pelo período de 30 dias após o parto, cotas para mulheres dentro das comissões da OAB, entre outras políticas públicas que reconhecem que a advocacia para mulher ainda possuem enfrentamentos, e precisamos superá-los a fim de que as mulheres possam ser valorizadas dentro da advocacia extirpando situação que visam diminuir e desvalorizar nós mulheres advogadas.
Diferença salarial
Após pequenos apontamentos sobre a discriminação de gênero, é importante trazer os números sobre a diferença salarial entre homens e mulheres dentro da advocacia; “há, por exemplo, uma diferença significativa entre a renda média mensal recebida por cada gênero. Os homens recebem, em média, um valor 28,5% maior do que as mulheres”.
É claro que a valorização do profissional por meio de remuneração é importante, mais é necessário também abordar sobre como nos advogadas nos sentimos exercendo advocacia, afinal é preciso muito investimento de tempo e dinheiro para torna-se advogada, e ainda assim, índices apontam que as mulheres da categoria também estão mais insatisfeitas do que seus colegas homens. “Em uma escala de 0 a 10, a nota média de satisfação de todos os entrevistados com a sua profissão foi de 7,5. Todavia, considerando apenas os homens, a nota está acima da média: 7,9. Já entre as mulheres a nota de satisfação com sua profissão está abaixo da média, com somente 7,1”.
Apontando toda essa discrepância entre homens e mulheres na advocacia e o Plano Nacional da Mulher Advogada, salienta-se que “maioria (61%) da advocacia é contrária à criação de cotas para mulheres em cargos de liderança em escritórios e somente 36% são favoráveis. A posição majoritária continua igual mesmo levando em consideração apenas as respostas das advogadas entrevistadas: 56% estão contra e 41%, a favor”.
E claro que: “estes dados são ainda mais interessantes quando comparados com a atual composição de gênero nas bancas brasileiras. Segundo uma pesquisa realizada pela Women in Law Mentoring Brazil somente 34,9% das mulheres são contempladas no quadro de sócios de capital, apesar de responderem por 57% dos profissionais na composição geral dos escritórios”.
Enquanto mulher advogada sócia de escritório de advocacia apoio que todo o empreendedor independente do ramo se atente ao fato que privilégio de gênero, sexo, cor, raça existe, e devem ser ressignificado, é necessário romper com os padrões de meritocracia.
É indispensável abrir espaços para as mulheres de todas as raças, cor, credo e religiões dentro da advocacia, e isso não irá acontecer senão fizemos esforços para incluir mais mulheres em cargos de lideranças, e querer de fato ajudar as mulheres advogadas que estão iniciando na advocacia, estudantes que estão buscando concluir o curso de direito.
Devemos compreender que o curso de direito ainda é um dos mais elitistas dentre todos os cursos de ensino superior, o menos democrático, concordar com essa realidade imposta de que os homens brancos ricos são sempre os mais competentes para gerir e dar ordens e alimentar todas as discriminações e injustiças, inclusive dentro do Poder Judiciário.
Tratando de discriminação, importante trazer o recorte em “relação à diversidade étnica e racial na advocacia, a composição dos profissionais por cor se expressa da seguinte forma: 2% se identificam como amarelos, 37% como negros e 62% como brancos, e dentre advogados pretos seja homens e mulheres a maioria atua no direito criminal.
Ainda que o artigo trate de militância da mulher na advocacia, quando se trata do recorte por cor, é impossível desvincular a figura do advogado e da advogada preta, porque se tratando de cor ambos são minorias e os índices de discriminação são cruéis para ambos, quando se tratar de cor militar em prol da mulher e militar também em favor do homem preto dentro do poder judiciário, porque homens pretos não estão em situação de privilégios apesar do gênero são tão discriminados quantos as mulheres.
Acredito que o incentivo financeiro as empresas que buscam implementar diversidade dentro das suas empresas é uma possibilidade concreta de diminuir e até extirpar as desigualdades entre homens e mulheres dentro da advocacia.
Como lutar por igualdade salarial e ocupar espaços de lideranças:
É preciso incluir diversidade nos cargos de liderança dentro da OAB, é necessário diversidade no quinto constitucional os escritórios tem que romper com padrão elitista da advocacia, como tratado anteriormente.
Porém, a responsabilidade de mudar e romper com os padrões são sempre individual cada uma de nós mulheres advogadas, que somos a maioria no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, não temos o direito de desistir, é preciso resistir, preencher os espaços e exercer com excelência nosso função.
É impossível falar de militância da mulher da advocacia, sem que esta tenha total consciência que ser mulher advogada é um ato político, cara colega advogada saiba da sua responsabilidade social, não é só sobre remuneração é sobre ter empatia, é sobre atendimento humanizado e nisso teremos sempre vantagens se utilizarmos de habilidades femininas.
Nós precisamos ter empatia por nós mesma, cuidar da saúde física, emocional, espiritual ser menos competitiva, porque só a união genuína vai virar o jogo, não dá mais para nós mulheres querermos competir entre nós, isso é difícil porque fomos educadas para digladiarmos entre nós.
Porém, chegou o tempo de aplaudirmos umas as outras, porque competição entre mulheres ainda é uma realidade ultrapassado que não pode mais prevalecer, e saber estabelecer um dialogo com os homens, porque sem incluir os homens na busca de equidade todos os esforços são vazios e desprezíveis.
CONCLUSÃO:
O presente artigo fala de passado para poder mudar o presente e impactar o futuro das próximas gerações de advogadas, trata de fortalecer as características femininas, porque não é uma competição entre homens e mulheres.
O que precisamos é uma união entre mulheres, para ganhar o respeito da sociedade, é sobre alto grau de empatia primeiro com nós mesmas, porque como mulheres por vezes queremos cuidar de tudo e de todos e nos esquecemos de nós mesmas.
É sobre responsabilidade social é sobre ser político não só nos discursos, não somente nas falas eloquentes, mas principalmente nas nossas atitudes, seja um agente de mudança dentro da advocacia, seja protagonista onde quer que esteja, não se compare com ninguém, apenas respeite seus processos e faça o seu melhor, sempre com responsabilidade social.
Desenvolver essas habilidades é militar na advocacia!
FONTE:
https://www.oab-al.org.br/app/uploads/2021/09/AdvocaciaFeminina.pdf
https://analise.com/noticias/as-mulheres-e-o-universo-do-direito
Fotunato, Tammy. Feminicídio aspectos e responsabilidades. Editora Lumen Juris Direito, ano 2023.