O poder do advogado está na escrita e na oratória – Thiago M. Minagé
Basta observar os acontecimentos diários de convívio social e relação intersubjetiva, que será percebida a atuação estatal. Atuação esta, produzida mediante uma certa coatividade (i) legal exercida pelo estado nas suas mais variadas formas de atuação, seja por meio de dominação no exercício da força física (bruta), política ou simbólica.
A imposição da força, em alguma medida, elimina as individualidades, por impor um padrão comportamental a ser obedecido, entretanto, se esquece que a interpretação do mundo em que vivemos dá-se de forma distinta para cada cidadão. Por conta dessa distinção, devemos ter a consciência de que a história e a cultura são profundas fontes simbólicas de identificação, em que as especificidades de cada indivíduo, dentro de uma coletividade, identificam o tamanho da dificuldade de uma sociedade plural, e de origem heterogênea, na busca do consenso coletivo. Dentro desse contexto, o exercício livre da advocacia esteve e está colocado para auxiliar aos cidadãos, como o meio garantidor do exercício dos direitos e liberdades individuais, afim de conciliar essas diferenças.
Respeitar ao próximo é uma condição para o convívio em sociedade. Por óbvio que, ao interpretarmos o mundo dentro de uma sociedade plural nos deparamos com inúmeras perspectivas, que levam a ideias e ideais também distintos, tendo como principais formas diferenciadoras as perspectivas de origem, oportunidade, valores, posição social e tradição.
No contexto social contemporâneo, observa-se nitidamente conclusões interpretativas paradoxais de duas montas: De um lado, os estudiosos que efetuam uma leitura do contexto social frente à legislação constitucional em vigor (partindo dos ditames constitucionais), de outro lado, não só os leigos no quesito jurídico, como também, os positivistas semânticos (do meu/seu ponto de vista)[1] enquadrados como, bem definidos por Alexandre Morais Da Rosa, analfabetos funcionais[2], que surpreendentemente (ou não) apontam uma guinada para manipulações interpretativas à justificar arbitrariedades e desmandos estatais. Mesmo que isso custe anos de luto e evolução legislativa a ser ignorado pela manipulação do exercício do poder.
Na realidade social brasileira, apenas no século XIX, mais precisamente em 1889, ocorreu a primeira descrição constitucional do Brasil como República sob a presidência do Marechal Deodoro da Fonseca, cuja finalidade foi atender aos anseios políticos, sociais e econômicos pós colônia e regência. Em 1891 promulgou-se a denominada Constituição dos Estados Unidos do Brasil, posteriormente em decorrência da denominada revolução de 30 (ano de 1930) foi promulgado a Constituição de 1934 sob a égide de uma nova ordem econômica e social, com o surgimento do denominado Estado Novo. Getúlio Vargas após ser eleito, dissolveu o congresso, revogou a constituição então em vigor e promulgou a Constituição de 1937, denominada também como Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Após o termino da II Guerra Mundial com o discurso de redemocratização do país fora editada a Constituição de 1946 que vigorou até o final de março do ano de 1964 quando então, os militares tomaram o poder, passando a impor o verdadeiro Estado de Exceção, cujo governo se dava por meio de Atos Institucionais impostos à população, e que perdurou até a promulgação de nova Constituição, que se deu ano de 1967, cuja presidência à época era exercida pelo Marechal Arthur da Costa e Silva[3].
Após breve relato histórico, chega-se ao momento da instauração da “Nova República” com a edição e promulgação da Constituição de 1988 – para muitos, ultrapassada – para outros (me incluo nessa parcela) a Constituição que mais respeitou e respeita os direitos individuais. Fato é que a respectiva Constituição de 1988 fortaleceu o conceito e adoção da República, prezou pelos denominados Direitos Sociais, Coletivos e Difusos, sem deixar de respeitar a Dignidade da Pessoa Humana e preservar o Direito à Liberdade e a proteção aos Direitos Individuais de cada cidadão[4]. Sempre tendo no advogado um instrumento de defesa e enfrentamento de qualquer ataque a esses direitos.
Certamente podemos afirmar a que Constituição de 1988 foi e atualmente continua sendo uma grande conquista. Com ela a sociedade brasileira passou a ter uma ferramenta capaz de contribuir com o desenvolvimento e com o processo de consolidação da democracia, o que certamente possibilitou a geração de novos direitos (como a inclusão ao direito à moradia nas cláusulas petreas, estas que democraticamente São alteradas apenas em razão de acréscimo de direito e nunca na diminuição deles – art 60 cf/88), e jamais podemos permitir que interesses passageiros e ideias fascistas possam derrubar essa vitoriosa conquista. (como se tentou com a PEC 169).
Por outro lado, a sociedade está muito longe de um real processo democrático, uma vez que os recentes conflitos, marchas e mobilizações, especialmente no cenário pós-2010, indicam um atual conflito entre Estado democrático e Estado autoritário, uma vez que este permanece fazendo uso de mecanismos de repressão e/ou violência física contra as manifestações de cidadãos organizadas, ainda que pacíficas.
A questão é que, na incansável busca por novos direitos o povo não deve se render aos mecanismos de repressão a luta, pela observância dos direitos e garantias que deve ser incessante. A imposição do medo deve ser repudiada veementemente, a utilização da desgraça social ou mesmo individual é um dos mais mesquinhos métodos de alcance do poder governamental, logo, inadmissível, porém, utilizado frequentemente, e com maior ênfase nas manifestações populares, carregadas de amor e ódio, medo e esperança, furor e mansidão[5].
Se observarmos, todos os representantes do estado, de algum modo, exercem poder. Não se pode admitir a criminalização ou mesmo criação de fantoches inexistentes para justificar a utilização da força bruta, cuja finalidade é pura e simples para impor o medo sob pretextos pífios, tais quais, combate à corrupção ou em nome da malsinada “ordem pública” ou “moral e bons costumes” nada sendo mais arrogante, vindo daqueles que se acham melhores e detentores da verdade. O Advogado não é, e jamais será esse fantoche idealizado e coisificado pelo exercício do poder arbitrário.
Em todos os momentos políticos, sejam eles de harmonia ou de tensão social, a advocacia sempre esteve firme em seu ideal de defesa das liberdades e proteção ao exercício de direitos. Constata-se que em momento algum ao advogado foi deferida a possibilidade do exercício de poder em nome do estado, mesmo que em tantos momentos, necessário foi enfrentar o próprio estado. Aos pares da advocacia sempre coube a sedução da fala, a perfeição na oratória, a firmeza nas posições, a ousadia nos enfrentamentos e acima de tudo a maestria da escrita e construção dos argumentos. Desdenhados, denegridos, diminuídos e muitas vezes oprimidos, mas nunca derrotados. Assim é a advocacia criminal, que para dizer a que veio precisa expor, construir e defender de forma veemente todos os argumentos possíveis e cabíveis. Eis o nosso poder frente o estado: O conhecimento.
Para que esse pequeno escrito? Para conclamar toda a advocacia criminal, sem distinção (se é que existe) para se armar de conhecimento e utilizar toda essa força através da escrita e da oratória.
[1] STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
[2] ROSA, Alexandre Morais da. McDonaldização do Processo Penal e analfabetos funcionais. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-out-19/diario-classe-mcdonaldizacao-processo-penal-analfabetos-funcionais. Acesso em: 17 mar. 2014.
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
[4] GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais na contemporaneidade. In: Movimentos sociais na era global. Petrópolis: Vozes, 2012.
[5] SCHERER-WARREN, Ilse. Movimentos sociais e geração de novos direitos em tempos globais: O caso brasileiro. . In: Movimentos sociais na era global. Petrópolis: Vozes, 2012.
Thiago M. Minagé.