O sorteio da morte do mais idoso na disputa por respiradores
Valério Saavedra
Em que pese a Constituição Federal preconize a igualdade de todos os cidadãos perante a lei vislumbra-se, na realidade do País, segmentos sociais vulneráveis que reclamam proteção jurídica derivada, tanto quanto crianças e os índios, também os idosos são protegidos por legislação específica.
Neste sentido, a Lei nº. 10.741/2003, o chamado Estatuto do Idoso, cumprindo mandamento constitucional, estabelece, no Parágrafo Único, do artigo 3º, a famosa garantia da prioridade, nos termos seguintes.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população;
II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas.
Pronto! mal bastou surgir a crise pandêmica do novo coronavirus, para se tomar providências administrativas esdrúxulas, como as que acontecem no sistema de saúde pública do Rio de Janeiro, amplamente divulgada pelos veículos de comunicação de massa, notadamente pela internet, pela qual, a fim de remediar a falta de equipamentos de respiração mecânica, ou respiradores, e que consiste na seleção – na verdade, prioridade – para o emprego do equipamento, em pacientes mais jovens, ou, na chula explicação dos profissionais assistentes, por terem estes maior expectativa de vida.
Impende pesquisar, de início, de onde surgiu a ideia de jogar a conquista constitucional dos idosos às favas, como justificação do descaso do poder público, que detém em mãos uma dinheirama do contribuinte, e por razões que não cabe aqui referências, simplesmente não se providenciou os apetrechos indispensáveis às vítimas da pandemia.
E tudo sob a contemplação passiva do Ministério Público, dos diversos órgãos públicos, (conselhos estaduais e municipais, OAB, etc), encarregados de zelar pelo bem-estar dos mais velhos, que, no fim da vida, depois de uma vida de penoso trabalho, caem na desgraça de se verem vítimas do descaso dos gestores da saúde pública deste País.
Urge, pois, que de imediato vozes se levantem para que mais crimes não ocorram em detrimento da população envelhecida, cuja dignidade é a bandeira constitucional a que se recorre, neste momento.
Os cidadãos mais velhos são os que mais merecem respeito em todas as culturas, veja-se de exemplo, as populações indígenas, onde as gerações mais velhas desempenham funções de pajés, caciques, etc. Enfim, integram uma casta que conserva e aplica a experiência, os conhecimentos e a sabedoria de uma determinada nação.
Nesse sentido, CELSO LEAL DA VEIGA JÚNIOR, (2016), em magnífico estudo, doutrina:
“A Vida Humana e os valores subjetivos das Pessoas, em decorrência da evolução social e as implicações da Modernidade, qualificaram o Direito à Vida, podendo se concluir pela existência de uma estrutura política e jurídica voltada ao gerenciamento da Vida Humana, com ações e propostas através dos órgãos de poder do Estado. Para a consecução de tais objetivos, os entes estatais dependem de ações efetivas, que devem ser planejadas em sintonia com Políticas Públicas, que se relacionadas ao Envelhecimento da população no Brasil, teriam de ser desenvolvidas conforme a pretensão do Livro Branco da Previdência Social”. In, (RE) CONSTRUÇÃO DO DIREITO DA PESSOA IDOSA: a Ética do Cuidado e o Novo Constitucionalismo Latino Americano.
Nesse jaez, esse segmento populacional, que inspira cuidados e atenção da parte do Poder Público, torna-se cada vez maior, a obrigar que esse ente político crie, urgentemente, políticas, programas e leis capazes de garantir necessidades e direito voltados aos idosos, bem assim adequação de normas eventualmente irregulares.
Para tanto, basta que as instituições apliquem o arsenal de leis já existente em nosso sistema jurídico, de início, procedendo contra os autores dos desvios de recursos públicos, comprovadamente mal-empregados.
Valério Saavedra, Criminalista, Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Estado do Pará – ABRACRIM/PA.