OAB vai ao CNJ contra juiz por quebra de sigilo entre Garotinho e advogado
Por Tadeu Rover
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil vai entrar com uma representação no Conselho Nacional de Justiça contra o juiz Glaucenir Silva de Oliveira, da 100ª Zona Eleitoral de Campos, devido ao vazamento de conversas entre o advogado Jonas Lopes de Carvalho Neto e seu cliente Anthony Garotinho, ex-governador do Rio de Janeiro, preso na última quarta-feira (16/11).
“Não se combate um crime com outro crime”, afirma o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ao repudiar o vazamento das conversas, divulgadas pelo programa Fantástico, da Rede Globo, neste domingo (20/11). “Admitir agressão ao direito de defesa, não importa o pretexto, indica retrocesso aos tempos mais sombrios da ditadura militar, quando garantias fundamentais dos cidadãos eram frequentemente violadas”, diz trecho da nota assinada pelo Conselho Federal e pelo Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB.
Atual secretário de governo de Campos dos Goytacazes (RJ) — onde sua mulher, Rosinha Garotinho, é prefeita — Garotinho foi preso sob acusação de fraude em um programa social. Após passar mal, foi encaminhado ao Hospital Municipal Souza Aguiar, no centro do Rio de Janeiro.
Na quinta-feira (17/11), porém, o juiz Glaucenir Silva de Oliveira determinou que ele concluísse seus exames na rede pública e fosse imediatamente levado para a penitenciária. Sua transferência foi filmada, mostrando Garotinho exaltado, gritando e tentando agredir os bombeiros que o levavam de maca para a ambulância. Na sexta-feira (18/11), a ministra do Tribunal Superior Eleitoral Luciana Lóssio concedeu habeas corpus em favor de Garotinho, determinando que ele retornasse ao hospital e, depois, ficasse preso em regime domiciliar.
No diálogo divulgado pelo Fantástico, gravado antes de Garotinho ser preso, o ex-governador orienta seus advogados a procurarem a ministra Luciana Lóssio para tratar de um Habeas Corpus preventivo. Garotinho disse que já tinha o contato da ministra, mas que era melhor os advogados entrarem em contato com ela.
Em outro trecho, Garotinho diz que já conseguiu conversar com a ministra e que explicou todo o caso. Na fala do ex-governador, ela teria ficado “bastante impressionada”. Esse trecho da conversa, o Fantástico atribuiu a uma conversa entre Garotinho e o advogado Fernando Fernandes, que também defende o político. No entanto, Fernandes nega que aquela seja sua voz: a conversa atribuída a ele foi entre Garotinho e o advogado Jonas Lopes Neto.
Fernando Fernandes afirmou que, assim como a OAB, também vai representar contra o juiz. “Além da violação do sigilo garantida por lei, a gravação atribuída a mim não é comigo e, sim, com o Jonas. Além disso, o trecho narra uma conversa legal e protocolar com a ministra. “Após a distribuição de um Habeas Corpus, Antony Garotinho foi, acompanhando por mim, oficialmente ao gabinete da ministra e esperou, de forma protocolar, enquanto os advogados despachavam”, explica Fernandes.
O advogado lembra que o sigilo da comunicação entre os advogados e seus clientes é garantido pela Lei 8.906/1994. Para Fernandes, o levantamento de sigilo feito pelo juiz e o fornecimento para a imprensa está fora dos objetivos da lei e constitui mais um crime cometido pelo magistrado. Na última semana, o advogado já havia prometido entrar com processo contra o juiz por denunciação caluniosa, além de uma queixa crime por calúnia. As ações devem ser protocoladas ainda nesta semana.
O juiz acusou Garotinho e seu filho Wladimir de tentativa de suborno. Por meio de intermediários, os dois teriam feito ofertas de R$ 1,5 milhão e R$ 5 milhões para que pusesse fim a investigação de crimes eleitorais contra ambos. Para Fernando Fernandes a acusação do juiz é sem sentido, uma vez que o juiz está apenas cobrindo férias, estando à frente do processo por apenas 20 dias. “Seria absolutamente incompreensível que alguém oferecesse a ele R$ 5 milhões se nem juiz do caso ele é”, afirma.
Fernandes diz causar estranhamento, ainda, o fato de a denúncia ter sido feita após a ministra Luciana Lóssio ter concedido o Habeas Corpus e criticado a decisão do juiz. Em determinado trecho do HC, a ministra classifica como temerária a decisão e afirmou: “não cabe à autoridade judiciária avaliar o quadro clínico do segregado, tal como levado a efeito pelo juiz zonal, que assim procedeu sem qualquer embasamento técnico-pericial por parte de equipe médica regularmente constituída”. Para Fernando Fernandes, além de inverossímil, o relator do juiz teria como “objetivo uma retaliação midiática em relação aos atos abusivos que ele cometeu”.
O advogado Jonas Lopes de Carvalho Neto, que aparece nas gravações, afirmou que a divulgação dos áudios é uma violência às prerrogativas dos advogados. “Os meus direitos e minhas prerrogativas foram violadas. Se houve autorização judicial, essa conversa jamais poderia ter sido vazada e, muito menos divulgada. Isso é crime e a OAB vai apurar”, afirma. Apesar de o programa ter informado que as gravações foram obtidas com autorização judicial, o advogado afirma desconhecer essa autorização e diz não ter tido acesso a essas conversas que foram grampeadas. “Quando isso acontece toda advocacia é violentada. Estou recebendo inúmeras mensagens de colegas porque todos estão se sentindo aviltados. É uma indignação de toda a classe”, conclui.
O Instituto dos Advogados de São Paulo engrossou o coro contra a divulgação das conversas e cobrou apuração das autoridades competentes. “O pretexto do combate à corrupção não autoriza desrespeitar a lei, ou promover um ambiente de insegurança jurídica contra os advogados no exercício da sua profissão”, disse a entidade em nota de repúdio assinada pelo presidente José Horácio Halfzeld Rezende Ribeiro.
Sigilo quebrado
A quebra de sigilo entre advogado e cliente e a divulgação dessas conversas para a imprensa não tem sido exceção no Brasil. Um desses casos chamou a atenção por se dar nas investigações da operação “lava jato”. O jornalista Fausto Macedo, do O Estado de S. Paulo, divulgou trechos de conversas entre Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, e o advogado Renato de Morais.
Criminalistas que atuam no caso e especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico consideram o vazamento grave, pois viola o sigilo entre cliente e advogado. “Assim abrimos espaço para quebrar direitos em todos os outros casos. Todos podemos um dia precisar de um advogado, assim como nossas conversas com médicos também são sigilosas. O necessário combate à criminalidade não pode atingir direitos e garantias fundamentais”, afirmou na ocasião Augusto de Arruda Botelho, então presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
Botelho também cobrou providências. “Enquanto as autoridades não começarem a investigar e punir, minuciosamente, a origem e autoria desses vazamentos criminosos, práticas desse jaez serão cometidas cada vez mais, visto que sempre terminam impunes”, diz ele.
Em outro episódio da “lava jato”, o juiz Sergio Moro, responsável pela condução dos processos em Curitiba, autorizou o grampo do escritório de Roberto Teixeira, advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que conta com 25 profissionais, alegando que era preciso confirmar o nível de relação entre os dois, apesar de Teixeira advogar para Lula desde a década de 1980. Depois, ele argumentou que soube do episódio apenas depois que a ConJur noticiou o fato. O juiz disse que a informação “não foi percebida pelo Juízo ou pela Secretaria do Juízo até as referidas notícias extravagantes”.
Imunidade relativa
Apesar da bronca dos advogados, em 2014 a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que conversa entre advogado e cliente não é imune a grampo telefônico. A corte superior manteve entendimento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região de que não há violação ao direito intimidade e nem ao sigilo profissional, se os aparelhos monitorados são do investigado, e não de um dos advogados. Conforme a relatora no STJ, ministra Laurita Vaz, a interceptação telefônica abrange a participação de qualquer interlocutor, e seria ilógico admitir que a prova colhida contra o interlocutor, que recebeu e fez chamadas para a linha legalmente interceptada, é ilegal. No caso analisado pelo STJ, contudo, não foi abordada a questão do vazamento desse diálogo para a imprensa.
O Supremo Tribunal Federal está com um caso semelhante para julgar. O advogado Aury Lopes Jr. pede que o STF anule uma decisão porque conversas entre o advogado e o réu foram gravadas. Segundo a defesa, as provas são ilegais porque resultaram de gravações das conversas travadas no parlatório do presídio, local reservado à visita dos presos com seus advogados. O Habeas Corpus está sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski que, em setembro, permitiu o ingresso do Conselho Federal da OAB no processo.
Leia a nota da OAB sobre o caso envolvendo Garotinho e seu advogado:
Nota do Conselho Federal e do Colégio de Presidentes de Secionais da OAB sobre vazamento de conversa entre advogado e cliente em programa de TV de ontem, dia 20.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB, ao tempo em que reiteram seu mais veemente apoio ao combate à corrupção – em qualquer esfera em que se dê, envolvendo quem quer que seja -, volta a repudiar práticas ilegais que, em seu nome, têm sido efetuadas.
Não se combate um crime com outro crime, sob pena de se desmoralizar a própria investigação – e a lei.
Por essa razão, repudiamos o inconstitucional vazamento das conversas entre o advogado Jonas Lopes de Carvalho Neto e seu cliente, Antony Garotinho, que acaba de ser denunciado pela mídia.
A OAB exige apuração imediata desse grave delito e punição exemplar de seus autores. Admitir agressão ao direito de defesa, não importa o pretexto, indica retrocesso aos tempos mais sombrios da ditadura militar, quando garantias fundamentais dos cidadãos eram frequentemente violadas. A sociedade brasileira lutou contra isso, triunfando sobre a exceção.
A advocacia não aceita que, na vigência do Estado democrático de Direito, se produza tamanha ignominia e, cientes do papel que nos cabe na defesa da lei e da democracia, afirmamos que adotaremos as medidas cabíveis para que sejam punidos os autores da ofensa a cidadania e a democracia. Não admitimos o princípio de que os fins justificam os meios.
A democracia é o regime da lei – e fora dela, não há salvação.
Fonte: http://www.conjur.com.br/