Oficial militar não é obrigado a instaurar IPM por requisição do Ministério Público
Lucas Rodrigues Alves* e Maicon José Antunes**
Imagine a seguinte situação: um Promotor do Ministério Público requisita a instauração
de inquérito policial militar, com fundamento no art. 10, alínea c, do Código de Processo Penal
Militar, mas a autoridade militar (Oficial), fundamentando sua posição, recusa a abertura do
procedimento. A conduta do Militar está correta ou pode ser enquadrada em desobediência, por
exemplo?
Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a autoridade militar pode recusar a
determinação do Promotor. [1] Essa conclusão é retirada do julgamento do RHC n. 166.793, de
Santa Catarina, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que ocorreu em 14-11-2022.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) corrobora com o entendimento [2]. Tais decisões são
importantíssimas, uma vez que reafirmam a independência, a discricionariedade e o livre
convencimento motivado do Militar no exercício de suas funções.
Nas palavras do Ministro do STJ, “o pedido de instauração de inquérito por parte do
Ministério Público é ato de exaurimento instantâneo, de maneira que, no instante em que houve a
instauração do procedimento investigativo, assume a posição de autoridade coatora aquele que
atende a requisição do parquet e instaura o procedimento, sobretudo considerando que, apesar da
requisição por parte do órgão ministerial, poderia a autoridade recusar a abertura do inquérito,
caso entendesse por sua impertinência”.
Na prática, o que se vê são requisições do Ministério Público determinando que o Oficial
Militar instaure o procedimento administrativo no âmbito da caserna, seja IPM, PAD, relatório de
investigação preliminar ou sindicâncias. Em regra, o ofício do órgão Ministerial não é encaminhado
em tom de pedido, mas sim de ordem, pressionando o Militar a seguir o comando, sob pena deste
responder administrativamente e criminalmente, caso não atenda o pleito.
A solicitação do Ministério Público, nesses termos, acaba por interferir na
independência funcional da autoridade militar. Isso porque o Militar exerce suas atividades com
independência e imparcialidade. Portanto, é perfeitamente possível que, ao analisar o caso
concreto e de forma motivada, conclua pela ausência de crime ou transgressão disciplinar e, por
isso, não instaure o procedimento disciplinar, dada a falta de justa causa. A autoridade processante
não deve ficar vinculada ao entendimento do Ministério Público e ao contrário também não ocorre.
Claro que as condutas deliberadas não são admitidas, até porque os atos praticados sem
fundamentação legal devem ser apurados nas esferas competentes. O que se propõem é a atuação
integrativa entre as carreiras com acento constitucional, sem ingerências indevidas, cada qual com
a sua autonomia funcional respeitada. E a decisão acima do STJ vai exatamente nessa linha,
reforçando que o Militar tem a prerrogativa final de recusar a abertura do inquérito, caso entenda
por sua impertinência.
*Lucas Rodrigues Alves é Sócio da Baratieri Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pósgraduando em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Membro Consultivo da Comissão de Direito Penal e da Advocacia Criminal OAB/SC. Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM). Ex-estagiário no gabinete do 16º Procurador de Justiça Criminal do Ministério Público do Estado de Santa Catarina e na 6ª Delegacia de Polícia de Capital (SC) – Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI).
**Maicon José Antunes é Sócio da Baratieri Advogados. Bacharel em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina –CESUSC/Florianópolis. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Direito Militar da OAB/SC, da Comissão de Direito do Servidor Público e da Comissão de Direito Previdenciário – regime próprio. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC. Professor dos cursos de atualização e aperfeiçoamento do Portal Gestão Pública Online, na área de Licitações e Contratos Administrativos, de Servidor Público e de Processo Legislativo. Consultor do Portal Gestão Pública Online. Sócio do Escritório Baratieri Advogados Associados e da empresa Gestão Pública Online
[1] (STJ, 5ª Turma, RHC n. 166.793, de Santa Catarina, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª
Turma, j. em 14-11-2022)
[2] (TJSC, 3ª Câm Crim., Habeas Corpus n. 5002048-32.2022.8.24.0000, rel. Des. Ricardo Roesler, j.
em 24-5-2022)