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Oratória: A Voz que Sustenta a Advocacia

*Prof. Luiz Flávio Borges D’Urso

A origem da palavra “advogado” é reveladora, pois vem do latim advocare, que significa “dar voz a outrem” ou “emprestar a voz”. Ser advogado é colocar a própria voz a serviço do outro, a serviço do Direito que se vai defender. É dizer o que o semelhante, por qualquer razão, teria dificuldade em falar. É sustentar com todas as forças e com sua energia vocal, com firmeza e serenidade, e com muita humanidade, aquilo que o cliente precisa que seja dito, para sustentar o seu Direito.

Para o advogado, a oratória não é meramente um meio de comunicação ou simplesmente um adorno retórico, é muito mais, é uma ferramenta de trabalho que em alguns casos se torna pura magia. Não se trata de dizer, mas de como dizer, o que dizer, em que tom dizer e quando dizer. É simbolicamente uma ponte entre a razão e a Justiça. É por meio da palavra bem empregada, bem sopesada, usada criteriosamente, que se transforma o conhecimento jurídico em ação concreta. Dessa forma, se espera que o advogado fale, e fale bem, especialmente com precisão, observando e empregando adequadamente cada termo, cada expressão em sua exata extensão jurídica.

Por óbvio não se exige que todos os advogados sejam verdadeiros tribunos, que possuam o brilho do discurso que encanta, mas é imprescindível que o advogado desenvolva condições mínimas para sustentar as suas ideias e as suas razões na causa que patrocina. Especialmente os jovens colegas, neste mundo tão dinâmico, precisam desenvolver a sua fala profissional, transformando o seu dizer em oratória convincente.

Digo de pronto, que ao contrário do que se costuma imaginar, oratória não é um dom, muito menos talento inato reservado a poucos privilegiados. Não se nasce orador, o orador se faz, quase como se faz um atleta. Ele se constrói dia após dia durante sua vida. É resultado de esforço, observação atenta, disciplina e muita, mas muita prática.

Costumo afirmar que 5% da boa oratória vem da inspiração e os outros 95% da transpiração, vale dizer, 95% é treino, muito treino. Isso quer dizer que qualquer um, desde que se proponha a ser um orador, poderá alcançar esse objetivo, chegando até a conquistar a excelência na arte de comunicar-se, persuadir e convencer.

Mas não existe atalho, corte de caminho ou redução de esforços que possam produzir, milagrosamente, um orador. Assim, para começar, o primeiro passo é a leitura. Quem lê com regularidade, com frequência, expande naturalmente o vocabulário, adquire domínio sobre a linguagem, organiza melhor os próprios pensamentos e passa a se expressar com mais precisão. Mas o treinamento não é somente a leitura, ela é apenas o começo. É preciso ouvir os grandes oradores, tribunos, mestres da palavra, estudar suas formas de falar, de como articulam suas estratégias de comunicação, analisar seus silêncios – que dizem muito –, seus gestos e trejeitos, suas pausas, seus ritmos e suas formas de respirar.

Para o senso comum, quem advoga precisa falar, e precisa falar bem. Isso é uma verdade da consciência coletiva e essa busca por falar bem é um trabalho para toda a vida. O advogado precisa fazer da sua fala uma arma legítima de defesa, uma expressão firme do Direito que defende.

Nesse contexto bastante complexo, há ainda um aspecto fundamental, muitas vezes negligenciado por quem se esforça para falar, que é a voz humana. Obviamente não seu volume simplesmente, mas sua empostação vocal. É a maneira como se emite o som de cada palavra, o tom usado, o ritmo, a força, o timbre, pois tudo isso comunica, até mesmo antes do próprio conteúdo. Uma fala empostada e alinhada com a emoção certa, gera o interesse necessário para dar lugar ao impacto buscado e o consequente convencimento.

Um bom curso de oratória ajuda muito, especialmente para quem está começando, aprender as técnicas, dominando-as, possibilita que o treino seja eficaz. Não descarte também um bom curso de teatro, pois o domínio dos gestos e do espaço do palco, completa a tarefa do orador.

Outro aspecto que repito sempre, é que o orador precisa acreditar no que diz, especialmente o advogado que precisa convencer. De nada adianta ser ouvido tão somente, de modo a ser escutado, pois o foco é ser acreditado. Jamais se convencerá alguém de algo que não se acredita sinceramente, verdadeiramente.

Há quem, não entendendo o papel singular do advogado, acredite que este profissional se presta a defender tudo o que lhe é apresentado, indistintamente. Isso não satisfaz, não faz sentido, isso não arrebata, não emociona e, por óbvio, gera desconfiança e não convence. O advogado precisa ter credibilidade. Meu saudoso pai, Dr. Umberto Luiz D’Urso, que é meu exemplo de advogado, me ensinou que o advogado precisa construir uma reputação e isso é trabalho diário e de toda a vida.

O advogado não fala para enfeitar frases ou causar boa impressão nos ouvintes. Fala para convencer alguém de uma ideia. Fala para defender o Direito que lhe é colocado nas mãos. Fala para ser a voz de quem não a tem, ou de alguém que fora calado. A palavra que precisa ser bem usada, em nossa profissão, não é mero instrumento, é missão, é liberdade, é vital.

No tribunal do júri por exemplo, diante de sete jurados que decidirão o destino daquele que está sendo julgado, ou em uma audiência, ou na sustentação oral, ou mesmo na reunião com o cliente, é preciso que a fala articule não apenas palavras bem alinhadas, mas traduza a ideia, o pensamento, o Direito posto, e além disso, importantíssimo, a dignidade humana que está por trás de cada causa judicial, de cada processo.

Por tudo isso, e muito mais, a oratória não é cerimônia preestabelecida, não é privilégio inato e tampouco algo fora do alcance de todos. A oratória é possível para todos, como eu já disse, é ferramenta diária, instrumento de trabalho, especialmente para o advogado. É ela que permite ao profissional do Direito impactar, transformar, esclarecer, articular, defender, encantar e, sobretudo, convencer. A oratória é um divisor de águas na Justiça, é a força do discurso que separa a injustiça da justiça, a palavra tem o poder de afastar o esquecimento e produzir o reparo, de sufocar o silêncio e gritar por esperança.

É na palavra dita, bem empregada, bem articulada, bem sentida, que mora a grandeza da verdadeira advocacia. E se tudo começa na voz, que ela seja instrumento da verdade. Que a palavra do orador seja como o fogo de Prometeu, não para consumir, mas para iluminar. Que o verbo proferido pelo advogado, não ecoe apenas nos ouvidos, mas ressoe no íntimo das consciências, reacendendo a esperança e despertando a Justiça.

*Prof. Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso é Advogado Criminalista, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, Pós-Doutor pela Faculdade de Direito de Castilla-LaMancha (Espanha), Presidente da OAB/SP por três gestões (2004/2012), Presidente de Honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM), Presidente da Academia Brasileira de Direito Criminal (ABDCRIM) e Conselheiro da Associação Comercial de SP (ACSP) e da Federação das Indústrias de SP (FIESP).

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