ORDEM CONCEDIDA – Condenado por Tribunal do Júri a mais de 15 anos pode recorrer em liberdade
A soberania dos veredictos não será violada com a impossibilidade de prisão antes do trânsito em julgado da condenação, considerando que o Tribunal não pode modificar o mérito da decisão proferida pelos jurados e, no caso de eventual anulação da determinação, o processo será remetido ao júri para novo julgamento, o que garante a independência dos jurados e a efetividade do princípio.
Com base nesse entendimento, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por maioria de votos, concedeu Habeas Corpus a um homem condenado pelo Tribunal do Júri à pena de 17 anos, oito meses e dez dias de reclusão, em regime inicial fechado por homicídio do próprio irmão.
No HC, a defesa do homem alegou que a decisão do juízo de origem que negou o direito de recorrer em liberdade foi fundamentada com argumentos genéricos. Também sustentou que a jurisprudência dos tribunais superiores vem se firmando no sentido de que é ilegal a execução provisória da pena, como decorrência automática da condenação proferida por Tribunal do Juri. Os defensores também informaram que o réu permaneceu em liberdade durante toda a instrução processual e não existem fatos novos para determinar o cumprimento imediato da condenação.
Ao analisar a o caso, o relator, desembargador Júlio César Lores, negou provimento ao HC com base no artigo 492, inciso I, alínea “e”, do CPP, alterado pelo “pacote anticrime” (Lei 13.964/19) e que passou a ter a seguinte redação:
“Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: I – No caso de condenação:
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos.”
No entanto, o desembargador Marcos Padula abriu divergência. Para ele, a alteração promovida pelo pacote anticrime colide com as normas constantes no próprio Código de Processo Penal, mais precisamente o artigo 283 e o artigo 313, parágrafo 2º, que inviabilizam a possibilidade de prisão antes do trânsito em julgado da condenação. Em outras palavras, a alteração feita pelo “pacote anticrime” no artigo 492 do CPP “está condicionada a uma interpretação sistêmica das normas
legais e constitucionais existentes”.
Ele cita entendimento do Supremo que entendeu pela inadmissibilidade da soberania do veredicto do júri para justificar a execução provisória da pena no julgamento do HC 174.759, de relatoria do ministro Celso de Mello.
Também sustenta que é desproporcional conferir tratamento diferenciado aos condenados em crimes de competência do Tribunal do Júri, uma vez que para os demais delitos somente é indeferido o direito de recorrer em liberdade caso subsistam os requisitos exigidos da prisão preventiva.
O desembargador Alexandre Victor de Carvalho seguiu a divergência e a ordem, então, foi concedida. O homem foi representado pelos advogados Lucas Mazete, Leuces Teixeira e Rosa Helena Padilha.
Segundo Lucas Mazete, o pedido para concessão de ordem foi feito com base no que o STF já decidiu em sede das ADCs 43, 44 e 54; a fundamentação também se baseou no argumento de inconstitucionalidade da nova redação do artigo 492 do CPP, dada pelo pacote anticrime, que permite a “prisão obrigatória” no júri nos casos de penas superiores a 15 anos.
Rafa Santos – Conjur