Os herdeiros da pena
Por Flávia Fróes
Condenados sem crime, o pecado foi nascer.
Tomam inocentes as mãos de suas mães, levados ao encontro dos pais que a vida lhes deu.
Enfrentam longas viagens. Filas enormes. Crianças de cinco, oito, dez anos. Passam mais de 5 horas sem alimentação em troca de um abraço, um colo.
Filhos condenados por amar.
São chamados deliberadamente de criminosos. Mensageiros do mal. Tem seus corpos e sua dignidade devassados e vilinpendiados por cometerem o “crime” de quererem estar com seus entes queridos que estão presos. São postos nus na frente de estranhos, lhes sendo roubada toda a sua inocência e pudor pueris.
Mas é justamente a Constituição Federal do país onde vivem essas crianças que consagra o princípio da dignidade humana. É ela, a carta maior, que vai determinar que a pena NÃO PASSE DA PESSOA DO CONDENADO. Que triste constatação saber que esse postulado tão necessário como justo é malferido pelo preconceito e por muitos agentes do próprio Estado.
Marcados com a tatuagem do nome dos pais na certidão de nascimento eles carregam consigo o peso de uma condenação por alguma coisa que a angelitude infantil é incapaz de conceber.
A dura pena a eles imposta diariamente na escola , nas suas atividades sociais, por onde quer que passem, está no preconceito que sofrem todos os dias por terem um familiar que cumpre pena. E a sua rotina de herdeiros de um castigo sem crime os faz diferentes. Seus pais não estão nos jogos de futebol, nem naquela peça de teatro que com tanta empolgação a criança ensaiou. Não vão fazer a tarefa de casa com eles, nem correr pro seu colo quando no meio da noite um pesadelo arrancar lágrimas dos seus olhos inocentes.
Milhares de quilômetros separam essas crianças de seus pais. Com ansiedade eles fazem longas viagens em troca de um abraço, de um colo, de um afago É o elogio das notas escolares e dos bons feitos infantis. É o amor paternal na formação dessa criança, a quem a Constituição assegura absoluta prioridade e proteção. Esse o alimento emocional para suprir a ausência de normalidade na vida dessa criança.
Aquela prova que ela tirou dez, não vai poder mostrar pro pai.
A pipa que ele tanto queria soltar ao seu lado e mostrar a sua enorme habilidade vai ter que esperar a longa pena. Talvez ele tenha crescido quando ele for solto e tudo isso terá sido um sonho bobo de uma CRIANÇA CONDENADA que tolamente esperava como qualquer criança a convivência familiar com o Pai…
Resta-lhes o consolo do abraço. A esperança de um beijo de motivação por seus êxitos infantis. A saudade e a distância fazem com que até a bronca tenha um sentido diferente para esse herdeiro da mordália.
O silencio de quem é castigado na aurora da vida por um crime que não cometeu grita nos ouvidos de quem entende que todos somos responsáveis por proteger cada uma dessas crianças. Mais uma vez é a nossa Constituição Cidadã nos impõe esse dever de proteção a essas pessoas em formação.
A “facção dos inocentes” grita em nossas consciências o quanto somos covardes por permitir que essas crianças sejam criminalizadas como se pudessem herdar dos pais os seus erros. Negar-lhes a direito de crescer sendo respeitadas é violar os mais elementares princípios de dignidade humana.