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PACOTE ANTICRIME: A INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO NO TRIBUNAL DO JÚRI

Gabriela Romero de Oliveira

Acadêmica de Direito. Representante do Amazonas na Comissão Nacional dos Acadêmicos de Direito e Estágio Profissional (CADEP) da Associação Brasileira dosAdvogados Criminalistas – ABRACRIM.

gabigabiromero0@gmail.com

RESUMO

É evidente que ao condenar o réu, o tribunal do júri faz-se valer de sua soberania, bem como do seu poder de julgar. No entanto, a mera condenação decidida na quesitação em plenário do júri não é maior do que a Constituição Federal, sendo que até mesmo a decisão dos jurados se submete a carta maior do país. Suprimir o princípio constitucional da presunção da inocência, em face da condenação no plenário do povo é conduta totalmente irresponsável e incoerente com os ditames do Estado Democrático de Direito, causando perplexidade a conduta do Supremo Tribunal Federal em aceitar no ordenamento jurídico brasileiro a alínea “E” do Art. 492 do Código de Processo Penal. Portanto, torna-se imprescindível analisar os dispositivos da Lei 13.964/2019, mais conhecida como o Pacote Anticrime.

Palavras-Chave: Inconstitucionalidade. Inocência. Condenação. Prisão.

ABSTRACT

It is evident that when convicting the defendant, the jury court asserts its sovereignty, as well as its power to judge, however, the mere conviction decided in the jury’s plenary session is not greater than the Federal Constitution, being that even the jury’s decision is subject to the country’s largest charter. To suppress the constitutional principle of the presumption of innocence, in the face of condemnation in the plenary of the people, is totally irresponsible and inconsistent with the dictates of the democratic State of law, causing perplexity in the conduct of the Supreme Federal Court in accepting paragraph E of the Brazilian legal system. Article 492 of the Criminal Procedure Code.

Keywords: Unconstitutionality. Innocence. Conviction. Prison.

1Finalista do Curso de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA.

Email: gabigabiromero0@gmail.com.

SUMÁRIO: 1 Introdução, 2 A Prisão e a presunção de inocência, 3 O art. 283 do código de processo penal e a constituição federal, 4 Prisão após condenação no plenário do júri, 5 Considerações finais, 6 Referências.

1. INTRODUÇÃO

Relativizar preceitos constitucionais tornou-se comum no Brasil, em um país que ainda busca ajustar seu sistema jurídico com uma Constituição tão nova, erros como interpretações errôneas de princípios e a supressão de preceitos já positivados em artigos constitucionais acabam tornando-se “normais” durante a evolução do ordenamento jurídico do país.

O que não pode ser caracterizado como normal é a anuência da suprema corte federal, em fechar os olhos para dispositivos infralegais que evidentemente afrontam a Constituição do país. No entanto, o que se observa no cenário atual não é apenas uma “vista grossa” a esses dispositivos inconstitucionais, mas também a busca para justificar sua presença e aplicação na legislação pátria.

Embora tenha inovado o sistema jurídico em diversas áreas, a lei 13.964/2019, popularmente chamada de pacote anticrime, também cometeu erros ao trazer para as normas infraconstitucionais dispositivos totalmente inconstitucionais, como a alínea “e” acrescentada ao art. 492 do Código de processo penal.

2. A PRISÃO E A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Embora impopular, é necessário reconhecer a importância do princípio constitucional da presunção de inocência, o qual sofre abalos diariamente, sendo suprimido, esquecido e até mesmo ridicularizado por muitos juristas extremamente “punitivistas”.

No Brasil, a custódia antecipada, ou antecipação da pena sem condenação definitiva, incorporou as decisões da maioria dos magistrados ao proferirem uma sentença condenatória não-definitiva, isto é assim pois nenhum juiz quer os holofotes da mídia sobre si, ao considerar o princípio da presunção de inocência, ainda que condenado o réu em primeiro grau.

O sistema prisional brasileiro paga pela “generalização institucional”, que banaliza a prisão preventiva, sendo instrumento com fim de apaziguar a opinião pública, anestesiando a população de certa forma, transparecendo o falso sentimento de “segurança” (LIMA, 2020).

Assim, torna-se extremamente seguro para o presidente do tribunal do júri decretar a prisão do réu condenado pelos jurados, ainda que não preenchidos os requisitos da prisão preventiva, caracterizando assim, apenas uma forma de antecipar a pena, ignorando que a sentença pode ser modificada em segundo grau.

3. O ART. 283 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A lei infraconstitucional também observou o preceito constitucional da presunção de inocência, segundo o Art. 283 do CPP

Art. 283 – Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Por tal redação, regra geral, a segregação do acusado somente poderá se materializar antes de transitar em julgado o decreto condenatório em situações de fundamentada necessidade, oportunidade que o magistrado o fará através do instrumento da prisão temporária ou preventiva. (MOREIRA e SCHMITT, 2019)

Cabe lembrar que o Supremo Tribunal Federal julgou procedente as ADCs 43, 44 e 54, julgando constitucional o dispositivo do art. 283 do código de processo penal, ressaltando o princípio da presunção de inocência, vedando, por consequência lógica, a prisão antes do trânsito em julgado, ressalvado as exceções dispostas na lei.

Sobre o tema, SANTOS (2020) discorre que essa vedação à prisão antes do trânsito em julgado visa a garantia da presunção de inocência, esculpida na Constituição em seu artigo 5º, LVII, ao afirmar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Entendimento este que é replicado no artigo 283 do CPP, que espelha a constituição. Por isso existe o entendimento de que o STF errou no julgamento do HC 126.292, pois o seu dever, como guardião da Constituição, é de dar efetividade ao texto constitucional.

4. PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO NO PLENÁRIO DO JÚRI

Com o reconhecimento da constitucionalidade do art. 283 do CPP, em conjunto com o princípio constitucional da presunção de inocência, tornou-se óbvio para qualquer leitor do art. 492 alínea “e” que tal dispositivo é essencialmente inconstitucional, sendo uma afronta direta ao artigo 5º, LVII da Constituição Federal.

Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que:

e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

O mencionado artigo introduz de forma oficial no ordenamento jurídico brasileiro a execução provisória da pena, mas não penas isso, a redação absurda do dispositivo em análise abre precedentes não apenas para os julgamentos do tribunal do júri, mas também qualquer julgamento no qual o condenado tenha pena igual ou superior a quinze anos de reclusão.

Quando a condenação for por crime doloso contra a vida, a pena será de 15 anos ou mais, no entanto, mesmo tendo respondido a todo o processo em liberdade, o condenado deve ser preso em plenário do Tribunal do Júri, iniciando imediatamente o cumprimento da pena (art. 492, I, “e”, do CPP) (CAMPOS, 2020, p. 01).

Na citação acima, ao ser condenado no tribunal popular do júri, com pena igual ou maior a 15 anos, não cabe recorrer em liberdade, devendo ser recolhido instantaneamente ao presídio. Verifica-se o erro do legislador e sua violação ao princípio da presunção de inocência ou culpabilidade (art. 5º, LVII, CF/88), na medida em que trata o réu como culpado, executando antecipadamente sua pena, sem respeitar o marco constitucional do trânsito em julgado (LOPES JUNIOR; ROSA, 2020, p. 1).

Dessa forma, o próprio código de processo penal em seu art. 492 alínea “e” entra em contradição, haja vista a desconformidade com exposto no artigo 283 que exige o trânsito em julgado. De modo que estar-se-á criando uma situação a parte de toda a realidade, na qual o direito constitucional de presunção de inocência não será aplicado. (SANTOS, 2020)

Ainda sobre o tema, discorre Matheus Santos:

A constituição foi clara ao descrever o princípio da presunção de inocência, desse modo o referido dispositivo acrescido pela lei 13.964/2019, ao trazer a execução da pena de forma automática após o julgamento no Tribunal do Júri ou da sentença que condena a pena superior a quinze anos, apresenta uma inconstitucionalidade expressa, em desconformidade com o artigo 283 do CPP, com o artigo 5º, LVII, artigo 105 e 147 ambos da Lei de Execução Penal.(SANTOS, 2020)

Embora seja um erro evitável, o que assusta no presente caso não é a redação errônea do legislador, mas a passividade do STF, que em tese, deveria ser o guardião da Constituição e dos princípios que dela surgem para o direito do país, a conivência com a existência de tal dispositivo inconstitucional apenas deixa claro que o Supremo Tribunal Federal, no mínimo, não tão diligente quanto deveria ser, ao supostamente exercer seu papel de “guardião” da carta magna.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que seja posição contrária ao pensamento da grande massa, preservar o princípio da presunção de inocência é fator primordial para o estado democrático de direito.

Declarar a inconstitucionalidade do art. 492 alínea “e” é essencial para a preservação do sistema jurídico brasileiro, dispositivos “punitivistas” não podem suprimir a Carta magna do país em hipótese alguma, o anseio popular por justiça não pode ensejar na inobservância do que dispõe a constituição federal do Estado brasileiro.

Adotar posição “garantista” não é lutar pela impunidade, como muitos argumentam, pelo contrário, é pleitear por um direito penal justo e democrático, uma sentença condenatória baseada nas provas e preceitos penais, mas além disso, é defender os direitos e preceitos constitucionais assegurados a TODOS os brasileiros em 1988.

6. REFERÊNCIAS

LIMA, Wellington Silva de. Prisão preventiva: antecipação da pena como regra, liberdade como exceção. Publicado em: 03 de Ago. de 2020. Disponível em: https://well21.jusbrasil.com.br/artigos/887702375/…. Acessado em: 02 de Dez. de 2020.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 673.

MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Análise jurídica da decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da execução provisória da pena privativa de liberdade. Publicado em: 18 de Novembro de 2019. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/20…ena-privativa-de-liberdade/. Acessado em 02 de Dez. de 2020.

MOREIRA, Leopoldo Gomes Moreira; SCHMITT, Oilson Nunes dos Santos Hoffmann. O julgamento das ADCs 43, 44 e 54 pelo STF e a PEC 5/2019 acerca da possibilidade da prisão em 2ª Instância. Publicado em: 14 de Nov. de 2019. Disponível em:https://migalhas.uol.com.br/depeso/315161/o-julgamento-das-adcs-43–44-e-54-pelo-stf-e-a-pec-5-19-acerca-da-possibilidade-da-prisao-em-2–instancia. Acessado em: 02 de Dez. de 2020.

SANTOS, Matheus Rodrigues dos. Prisão após condenação do Tribunal do Júri e o respeito à Constituição. Publicado em: 04 de Set. de 2020. Disponível em: https://www.megajuridico.com/prisao-apos-condenaca…. Acessado em: 28 de Nov. de 2020.

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