Perguntas vagas podem produzir respostas desastrosas
O julgamento transcorria muito bem. O advogado se preparou diligentemente e isso parecia evidente na atenção que os jurados lhe davam. A primeira testemunha também cumpriu bem seu papel. O próximo passo era estabelecer a responsabilidade no caso de uma “fraternidade” específica no campus, entre algumas existentes. A testemunha havia descrito ao advogado as ações da “Delta House” e isso lhe pareceu o suficiente. Tudo que a testemunha-chave teria de fazer era apontar o dedo para a fraternidade “Delta House”, quando lhe fosse feita a pergunta crucial.
Advogado: “Qual a pior fraternidade no campus?”
Testemunha: “Isso é difícil de dizer… Todas elas têm os seus problemas… De certa forma.”
Deu um branco na testemunha? Pode ser, diz o advogado e professor de Direito Elliott Wilcox, editor do TrialTheater. Mas o mais provável é que o advogado se esqueceu de que perguntas vagas podem produzir respostas vagas. Ou, pior, desastrosas. Pode ser também que o advogado, por excesso de confiança no caso, não preparou bem a testemunha.
O que fazer para corrigir o erro? “Primeira coisa: não entrar em pânico”, ele afirma. Sua recomendação, adaptada para o palavreado brasileiro, é: levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. Uma maneira de fazer isso é se dar conta do que deveria ter feito desde o princípio: preparar a testemunha, com perguntas preliminares, para chegar a uma única resposta possível. No caso, “Delta House”.
“Há que consertar as coisas”, ele diz. Deixar essa resposta prevalecer não é uma opção. Se fizer isso, em nenhum momento os jurados vão determinar que a tal fraternidade tem responsabilidade no caso. Para ele, o advogado também não pode declarar que a “Delta House” é a pior fraternidade do campus e pedir à testemunha para confirmar. Seria um erro grosseiro, que levaria ao protesto da outra parte e à desconfiança dos jurados. “Assim, não se mostre desconcertado, para não amplificar a importância da resposta inesperada. Coloque em sua face aquela expressão impassível de jogador de pôquer e faça perguntas mais específicas, que levem a testemunha a se lembrar que é hora de falar da Delta House”, ele recomenda.
Advogado: “Obrigado pela resposta honesta. A verdade é que há problemas nesse campus. Mas qual foi a fraternidade que despejou um caminhão de fezes na piscina durante uma festa?”
Testemunha: “A Delta House.”
Advogado: “Quem colocou na mesa um cadáver no jantar dos alunos de medicina?”
Testemunha: “A Delta House.”
Advogado: “Quem decorou a árvores de Natal com cuecas, calcinhas e outros objetos que, digamos, não são os costumeiros?”
Testemunha: “A Delta House.”
Advogado: “Sabemos que todas essas fraternidades fazem suas travessuras. Mas, em termos de causar problemas mais sérios, elas estão todas no mesmo nível?”
Testemunha: “Não, a Delta House é a pior de todas.”
Outra maneira é deixar claro para os jurados que é normal que a testemunha não se recorde de uma resposta, dadas as circunstâncias. Esse é o caso, por exemplo, de um policial que faz centenas de ocorrências semelhantes (como a de detenções de motoristas embriagados, envolvidos em acidentes com vítimas), em um prazo tal de tempo (como do dia em que ocorreu o acidente até o presente momento). Nesse caso, é possível que o policial, ou qualquer profissional que lide com muitos casos semelhantes, responda apenas que “não se recorda”.
Segundo o professor, o advogado deve, então, mostrar aos jurados por que a testemunha não consegue se recordar dos fatos, por meio de perguntas tais como: “Quanto tempo você tem, depois da prisão, para escrever seu relatório?”; “Que dados ou detalhes têm, obrigatoriamente, de constar do relatório?”; “Qual é a precisão com que deve descrever os fatos?”; “Quantos relatórios você escreve por mês ou por trimestre, em média?”; “Se você ler o relatório que escreveu sobre esse acidente, especificamente, isso será o suficiente para você ter uma lembrança precisa do que ocorreu naquela noite?”.
“Nesse caso, todos nós queremos conferir se ele pode realmente se lembrar com precisão dos fatos, depois de ler o que escreveu na noite da ocorrência”, diria o advogado, ao entregar uma cópia do relatório para a parte adversária e outra cópia para a testemunha, a quem pedirá que a leia em silêncio. Isso feito, o advogado deve pedir à testemunha que dobre (ou devolva) o relatório, antes de começar a responder às perguntas. “Para efeito de convencimento dos jurados, é importante que a testemunha responda às perguntas com base em sua memória, em vez de procurar as respostas no relatório”, ele afirma.
Por João Ozorio de Melo
FONTE: WWW.CONJUR.COM.BR