Precisamos de um Felisberto Córdova em cada julgamento: o nosso Judiciário escancarou a compra e venda de decisões
Liberato Póvoa
A sessão da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) do último dia 3 de agosto em curso, depois de viralizar nas redes sociais e ganhar as páginas dos jornais e espaços televisivos nos noticiários nacionais, trouxe a todos uma perplexidade inominável. O clima esquentou no TJ-SC, quando o experimentado e sobretudo respeitado advogado Felisberto Odilon Córdova acusou o desembargador Eduardo Gallo, relator de um processo seu, de ter-lhe feito uma proposta pedindo R$ 700 mil para julgar favoravelmente aos interesses do cliente, cobrindo a proposta de R$ 500 mil da outra parte.
A causa envolve uma disputa de R$ 35 milhões (agravo de instrumento interposto em execução de honorários). Bastante exaltado, Córdova, que ocupava a tribuna, não economizou palavras nas críticas e exigiu imediata apuração pelo Ministério Público, diante do que o destemido advogado, com 54 anos de advocacia disse, em alto e bom som:
– Este julgamento merece ser impugnado porque ele está comprado -, bradou o advogado do púlpito.
Diante da estrondosa denúncia, que deixou todos boquiabertos, e com o desembargador calado durante os ataques, este, depois que o intrépido causídico o chamou de “safado” e “vagabundo” e se retirou, exigiu que o presidente da Câmara desse ordem de prisão ao advogado, reclamando dos excessos verbais e disse nunca ter sido chamado de “vagabundo“ em 25 anos de magistratura. Para acalmar os ânimos, o presidente da Câmara, desembargador Raulino Brunning, pediu vista dos autos, suspendeu o julgamento e decidiu oficiar ao Ministério Publico e à OAB para acompanharem o caso.
Um vídeo que mostra o momento do auge da discussão circulou rapidamente em grupos sociais na internet, no “Jornal Nacional” e outros noticiários do mesmo dia. O presidente da OAB-SC, Paulo Brincas, determinou a instauração de uma comissão para apurar os fatos. O presidente em exercício do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, desembargador Alexandre d’Ivanenko, também informou, por meio da Assessoria de Comunicação, que já tinha ciência do ocorrido e pretende analisar o caso para depois se manifestar.
Aqui vêm as seguintes indagações: será que o TJ-SC é o único onde ocorre esse lamentável e criminoso desvio de conduta? Será que vamos comparar a conduta de um advogado militante quase octogenário com mais de cinco décadas de ilibada carreira, um advogado reconhecido pela comunidade como honesto e competente, com a de um desembargador, que, apesar de se dizer magistrado há duas décadas e meia, só está no Tribunal há pouco mais dois meses? Eduardo Mattos Gallo Júnior, de 49 anos, foi empossado em 02/06/2017 como desembargador, e num dos seus primeiros julgamentos já se vê sufocado por uma acusação que ganhou os meios de comunicação, com o sabor de procedência. Quando o desembargador nasceu, o Dr. Felisberto Córdova já tinha cinco anos de advocacia.
Informou-se que a assessoria do desembargador não quis fazer qualquer declaração a respeito, enquanto o Dr. Felisberto Córdova não se negou a prestar esclarecimentos, e em entrevista concedida ao “Notícias na Manhã”, na Rádio CBN de Florianópolis, na manhã do dia seguinte ao escândalo, ao afirmar que “Ninguém iria à tribuna fazer afirmações levianas”, mostrou que essa prática é costumeira, dando notícia de que outros tribunais têm esse lamentável costume de autêntico balcão de compra e venda de decisões, citando: “Nós conhecemos os tribunais, como o da Bahia, que são podres inteiramente. Talvez, não tenha 10% de juiz honesto lá dentro”. E no seu cáustico pronunciamento, o Dr. Felisberto Córdova, talvez sem querer, fez uma declaração mais do que correta, quando disse: “Isto aqui não é o Senado, não é a Câmara dos Deputados; isto aqui é um Tribunal de Justiça; e eu exijo que a moralidade surja…”. Com isto, definiu o nosso Parlamento como despido de moralidade. Tem sua lógica, diante do que vemos.
De vez em quando, ouve-se notícia de magistrados, de todos os níveis, sendo acusados de venda de decisões, mas isto ocorre em procedimentos instaurados por corregedorias estaduais e pelo Conselho Nacional de Justiça, que, não raro, estão aposentando compulsoriamente desembargadores e juízes; embora as grandes canganchas ocorram nas Cortes Superiores, não se registra nenhum procedimento contra ministros; mas os advogados não fazem como o Dr. Felisberto Córdova, porque receiam represálias, o que é bem possível.
Com isto, não vamos considerar o Dr. Felisberto uma pessoa apenas inconformada com esse caso específico que rendeu o escândalo. Segundo a publicação “ConJur” de 6 de agosto em curso, que afirma: “Essa, contudo, não foi a primeira vez que o advogado esteve envolvido em polêmica com magistrados. `Um advogado com meu tempo de trabalho já teve muita encrenca em juízo. E não teria como ser diferente, salvo se eu fosse um advogado relapso, o que não é o caso. Eu tive problema já na primeira sustentação oral que fiz no tribunal. Ser condenado é quase uma medalha de honra´, afirmou Córdova à ConJur, que está há mais de 50 anos advogando”, complementando que ele já fora condenado por crime contra a honra.
Foi só aparecer um advogado-coragem, apressaram-se em garimpar pretensas sujeiras no seu passado. Mas ele rebate: quando perguntado se esse histórico poderá influenciar o caso no TJ-SC, afirmou que isso vai depender dos juízes. “Mas, a classe dos juízes tem um comportamento peculiar (…) Se você fosse advogado, você entenderia como se comporta uma instituição quando um de seus membros é atacado“, concluiu, citando a existência de corporativismo na classe.
Apesar de bem remunerados, o espantoso crescimento patrimonial e a vida nababesca de certos magistrados podem justificar essa atitude do corajoso advogado barriga-verde, pois por maiores que sejam os vencimentos, não se justificam certos enriquecimentos, e se outros causídicos não dão a grita é justamente porque temem retaliações em outros julgamentos, pois eu próprio sofri isto.
Excluindo-se a polêmica, pois o mundo jurídico ainda está estupefato diante do episódio, a gravidade da denúncia do advogado catarinense exige uma necessária apuração dos fatos com toda a transparência e respeito aos princípios legais, pois o Judiciário, como um todo, está na berlinda.
Na mesma quinta-feira à noite, o presidente da OAB/SC, Paulo Marcondes Brincas, colocou a estrutura da Seccional à disposição do colega, uma vez que se trata militante há décadas e goza de muito respeito na classe. Com referência ao desembargador acusado, sabe-se que ingressou há pouco mais de dois meses no TJ-SC, e já sofreu desagravo público por parte da OAB local. Mau sinal.
A Associação dos Magistrados Catarinenses divulgou nota pública sobre o ocorrido, mas, sempre apelando para o “esprit de corps”, pois foi uma nota tímida para tentar defender o talvez indefensável.
Precisamos que novos episódios como este ocorram, nos TJs estaduais, TRFs, TRTs e Cortes Superiores, onde, além dos interesses pecuniários, do império dos lobistas e dos advogados parentes de ministros, há o fator político, quando os julgadores se acham no dever pagar com decisões suas indicações aos parlamentares que os apadrinharam na nomeação. E a pestilenta política impera nas Cortes de Brasília, inclusive no Conselho Nacional de Justiça, que, enquanto pune faltas de juízes e desembargadores, esquece-se deliberadamente de que ministros são também magistrados, sujeitos ao seu controle, mas este fecha os olhos justamente àqueles pilantras que deveriam dar o exemplo. Isto, sem nos esquecermos de que, tanto quanto um Santo Ofício em pleno Século XXI, serve também para expelir do Judiciário os desafetos de políticos e os que, à feição do Dr. Felisberto Córdova, mostram coragem, como magistrados do calibre de Fernando Cordioli Garcia, de Santa Catarina, aposentado precocemente aos 36 anos, Ari Queiroz, aqui de Goiás, e muitos outros, que não concordaram com pilantragens, com o mandonismo dos poderosos e a corrupção do Judiciário e foram quase que sumariamente excluídos da magistratura.
No momento em que a OAB peitar esses magistrados, principalmente nos Tribunais Superiores, a coisa começará a melhorar, pois estamos cheios de “gilmarzadas”, de decisões encomendadas, e esse episódio de Santa Catarina pode ter servido de “gatilho” para criarmos uma nova ordem, pois estamos cansados de ver a Justiça ser vendida, a ponto de um desembargador, com menos de dois meses de tribunal, já estar comprometido dessa forma. Sem contar os que se milionarizaram depois de nomeados, com salários estratosféricos, verbas embutidas, diárias à vontade e aspones puxando o saco.
É preciso que um novo Felisberto Córdova surja em cada julgamento suspeito, pois já estamos cansados de presenciar um inusitado e vergonhoso leilão nesse balcão de negócios que se chama Justiça Brasileira. Candidatos, como sabujos, humilham-se a parlamentares fichas-sujas por uma indicação e concorrem a tapa a uma vaga para as minas de ouro que se chamam STJ e STF, que fazem o que fazem e fica por isso mesmo, pois o CNJ faz que não vê e ninguém tem a coragem do advogado catarinense.
Que o povo fortaleça a OAB, denuncie esses casos e dê seu apoio aos advogados corajosos, pois através deles é que podemos corrigir esses lamentáveis desvios de conduta.
(Publicado no “Diário da Manhã” de 09/08/2017)