Presunção de inocência e Pena de morte – Emerson Leônidas
Tão logo instalada a pandemia pelo COVID-19, popularmente denominada de coronavírus, o Ministro Dias Toffoli, presidente do Conselho Nacional de Justiça e no comando da mais alta Corte de Justiça do País (STF), baixou a Resolução n. 313/2020, e, sucessivamente, a Recomendação nº 62/2020. No âmbito da recomendação – que não obriga ninguém a nada – o Ministro Dias Toffoli escolheu quem deveria morrer e quem não deveria, em tese. É que o grupo de risco para infecção pelo novo coronavírus – Covid-19, como reconhece S.Exa. em sua recomendação, “compreende pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções”. Por isso recomendou aos magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerassem as seguintes medidas: “I – a reavaliação das prisões provisórias, nos termos do art. 316, do Código de Processo Penal, priorizando-se: a) mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até doze anos ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com deficiência ou que se enquadrem no grupo de risco; b) pessoas presas em estabelecimentos penais que estejam com ocupação superior à capacidade, que não disponham de equipe de saúde lotada no estabelecimento, que estejam sob ordem de interdição, com medidas cautelares determinadas por órgão do sistema de jurisdição internacional, ou que disponham de instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus; c) prisões preventivas que tenham excedido o prazo de 90 (noventa) dias ou que estejam relacionadas a crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa;” Acaso algum leitor desse modesto artigo conhece algum presídio brasileiro que não esteja com ocupação superior à sua capacidade? Ou que disponha de equipe de saúde lotada no estabelecimento? Mas essa ainda não é a questão. Existem essas pessoas que o Ministro considerou como prioritárias – e o são -, e outras, que o Ministro entende que o coronavírus não atingirá. Essas, portanto, podem ficar ali, para morrer. Não me ocupo de pessoas que estão protegidas pelo princípio constitucional da presunção de inocência, que o Ministro conhece bem, e que em razão disso, respeitada a CF em sua legalidade estrita, quem não tivesse condenação transitada em julgado e nem estivesse no grupo de risco especificado acima, deveria ser posto imediatamente em liberdade. Ora. Isso causaria por outro lado uma pandemia social, considerando-se que “O Brasil tem mais de 773 mil presos em unidades prisionais e nas carceragens das delegacias. Os números, relativos a junho de 2019, foram divulgados, hoje (14), pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública. O número de presos nas unidades carcerárias soma 758.676, a maioria, 348.371, no regime fechado, quase a metade do total de aprisionados, 45,92%. Os dados mostram um crescimento dessa população de 3,89% em relação ao apurado em 2018.[1] Os presos provisoriamente – que ainda não foram condenados – constituem o segundo maior contingente, com 253.963, representando 33,47% do total. Os presos no semiaberto, 16,63%, somam 126.146, e os no regime aberto são 27.069, representando 3,57% do total. Já os que estão em medida de segurança ou em tratamento ambulatorial somam 3.127 pessoas.” Daí que, se o Ministro fosse cumprir a CF ao “pé” da letra, mesmo que fosse para salvar 253.963 pessoas da pena de morte, estes que sequer foram condenados e estão apenas respondendo a processo, a sociedade e os organismos de direitos humanos cairiam de pau em cima dele. Não Ministro! não faça isso! Melhor que morram, ou que melhor sorte lhes livre as rezas e orações de amigos e familiares. Afinal, mesmo com o risco de pegar o coronavírus e disseminar o genocídio prisional, os acusados – simplesmente acusados, tão somente acusados, meros acusados, muitos que ainda sequer foram citados para uma defesa preliminar (chamada resposta de acusação) – de crimes violentos ou com grave ameaça a pessoa, devem morrer, porque se assumiu o risco (dolo eventual) de que “assim seja”, e a simples denúncia se transformou numa pena de morte sem sentença. Não vamos soltar, claro, e eu até concordo, aqueles que já sofreram condenação em primeiro grau e já confirmada pelo Tribunal em segundo grau. Dá para mitigar o princípio da presunção de inocência; no ponto, há um pensamento, ainda que ilegal, de que se aproximem estes de uma culpa formada; mas não dá Ministro, não dá mesmo, para que se permita, que entre a vida e a morte, nossa escolha seja pela morte, de quem não sofreu condenação alguma, pela mera expectativa que peças denunciatórias por crimes graves sejam todas elas procedentes. Isso é um absurdo! Me omito, porque não merece comentários, a “sugestão” do Ministro Moro, de que os Juízes nacionais não devem soltar os “acusados de corrupção”. Isso é coisa de vampiro, e talvez o leitor ache consolo na psicologia analítica de Jung. Deus proteja os inocentes presos!
Emerson Leônidas
OAB-PE 8385
Presidente da Abracrim PE