Profecia da ilegalidade
Nas últimas semanas a imprensa noticiou que o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, havia destacado que a decisão liminar concedida pelo ministro do STF Gilmar Mendes, restringindo o uso da chamada “condução coercitiva”, poderia “gerar um aumento nos pedidos de prisão temporária”. Nesse mesmo sentido, o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ANDPF), Edvandir Feliz de Paiva, entendeu que a condução coercitiva seria necessária o inquérito policial, e que se o investigado não for dessa forma conduzido, “poderá atrapalhar a investigação”.
As profetizações emanadas pelos presidentes da ANPR e da ADPF em repreensão à restrição das “conduções coercitivas”, desvelaram, contrariamente ao que dispõe a Lei n° 7.960/89, que a “prisão temporária”, na verdade, sempre foi aplicada como um instrumento de coerção por parte do Estado, isto é, um instituto utilizado como regra (e não exceção), a fim de compelir determinado investigado a “colaborar” com a investigação contra si promovida, ou para obter dele uma confissão pela clausura.
A afirmação categórica no sentido de que as “conduções coercitivas” serão substituídas pelos pedidos de “prisões temporárias”, como se os seus fundamentos jurídicos fossem exatamente os mesmos, certamente não irá encontrar ressonância no Poder Judiciário, sobretudo por tratarem-se de institutos completamente diferentes; enquanto a “condução coercitiva” pressupõe prévia intimação e o não comparecimento injustificado do investigado, a “prisão temporária” é uma modalidade de prisão provisória (excepcional), destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial, só podendo ser decretada nas situações expressamente previstas pelo art. 1° da Lei n° 7.960/89.
A “prisão temporária”, portanto, jamais poderá significar antecipação da execução da pena, muito menos forma de coerção para se obter a confissão ou colaboração de quem quer que seja, através da coação moral. A retomada da banalização desse instituto jurídico, ao contrário do que se pode imaginar, irá apenas abalar a credibilidade da justiça, na medida em que essas prisões, eventualmente decretadas na esteira das profecias anunciadas, serão repelidas pelos nossos Tribunais.
(Roberto Serra da Silva Maia é advogado, professor universitário, Diretor Tesoureiro da OAB-GO, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, e Conselheiro Nacional da Advocacia Criminal da ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas)