PUNIÇÃO VERSUS REABILITAÇÃO – Reforma do sistema de justiça criminal dos EUA exige mudança de mentalidade
Durante décadas, governos após governos discutem a reforma do sistema de justiça criminal nos EUA. E até tomam uma medida ou outra. Mas uma coisa não muda: a mentalidade incrustada no sistema, que se concentra em condenar a qualquer custo e encarcerar.
No atual sistema, o ideal de prevenir e reabilitar não tem espaço, escreveu, em um artigo para o Bloomberg Law, a advogada criminalista de Los Angeles Lara Yeretsian, que integrou a equipe de defesa da Michael Jackson e atuou em vários casos de repercussão nacional.
Ela afirma que, em um país em que condenar é sinônimo de sucesso profissional, o sistema trata com maior deferência os promotores, em detrimento dos réus e dos advogados que os representam. Para os réus, na maioria os marginalizados da sociedade, o princípio de “inocente até que provado o contrário” é apenas uma ilusão.
Ela defende o fim da imunidade dos promotores, em casos de má conduta. Tal imunidade não tem significado para a maioria de promotores honestos. Apenas favorece as ovelhas negras da classe, como aqueles que escondem provas que inocentariam réus, só para garantir uma condenação; ou aqueles que escondem da defesa que não têm qualquer testemunha convincente, só para obter um acordo de confissão de culpa.
Ela cita casos reais para exemplificar o pouco caso com os réus e seus advogados, como o de uma advogada que passou duas horas na sala de espera de uma prisão só para ser informada que seu cliente não estava disponível; o de um juiz que gritou com um advogado simplesmente porque ele estava defendendo um “criminoso”; e do juiz que aplicou uma sentença de 500 anos a um réu que cometeu um crime não violento, só para que fosse uma pena exemplar.
“São coisas fundamentalmente erradas”, ela escreveu. “Em sistemas contraditórios, tudo deveria funcionar em busca da justiça e não contra o réu e o advogado que o representa”, ela diz. “Muitas vezes, as pessoas pensam que, se o réu é culpado, seu advogado também o é, por associação”.
“A justiça é alcançada quando todas as partes — juízes, promotores e advogados de defesa — trabalham de uma maneira colaborativa e respeitosa, para atingir um resultado justo. Em um sistema que pende contra as minorias e os marginalizados — os que correm maior risco de prisão — o objetivo deveria ser encontrar soluções, não simplesmente encarcerar”.
Os promotores representam “o povo” e isso inclui os réus em processos criminais. Mas eles atuam em um sistema que os força a obter uma condenação a qualquer custo. A maioria dos promotores entende isso e resiste a essa mentalidade equivocada. Mas alguns entendem que têm carta branca para acusar duramente ou transformar qualquer infração em crime, porque é assim que o sistema funciona.
A reforma deve passar pela polícia, ela diz. A mentalidade policial está totalmente enraizada na ideia da “lei e a ordem”, o que é razoável, mas passa por cima da dignidade humana e da redenção pessoal. A ideia que prevalece é a de que se deve trancar os condenados, mesmo que deficientes físicos ou inocentes, e jogar a chave fora.
Nos EUA, ainda se condena usuários de drogas, quando se deveria implementar programas para ajudá-los, diz a advogada. Muitos países adotaram, com sucesso, outras abordagens. Em Portugal, a maioria dos usuários de drogas são encaminhados a “Comissões para Dissuasão do Consumo de Drogas”. Na Suécia, a política para entorpecentes enfatiza a prevenção e o tratamento, por conta do sistema de saúde e de serviços sociais.
Há um programa nos EUA, o Conviction and Sentence Alternatives (CASA), que ajuda réus a enfrentar problemas tais como consumo e drogas, deficiência mental e até mesmo decisões ruins que os levaram a cometer crimes. Mas é pouco usado.
O programa usa um modelo colaborativo, que lida com comportamento, reabilitação e segurança da comunidade. Os participantes vão a uma corte a cada duas semanas, para audiências com um juiz, um promotor, um defensor público e outros servidores. E se submetem a testes, esporadicamente. Se completarem com sucesso o programa, não vão para a cadeia e seu processo pode ser trancado.
João Ozorio de Melo – Conjur