Quem paga os honorários do advogado criminalista e o que você tem com isso? – Por Jader Marques
Por Jader Marques – 08/08/2016
Mãe narra ao advogado a situação de seu filho que está preso e acusado de praticar um crime. Esposa telefona no meio da noite e pede ao advogado que compareça à delegacia de polícia para atender um flagrante. Acusado de crime marca horário e comparece ao escritório para consulta com advogado. Advogado é consultado por empresário sobre repatriamento de capital. Em qualquer dessas situações, uma vez tomada a decisão de contratar o profissional, haverá a cobrança de um determinado valor que será pago a título de honorários advocatícios.
Em primeiro lugar, vale lembrar que o advogado criminalista cobra e recebe honorários, essencialmente, porque exerce uma atividade privada (assim como fazem dentistas e médicos). Em sua atividade de prestador de serviços, o advogado custeia toda a estrutura de atendimento dos clientes e das causas que lhe são confiadas, retirando seu sustento do excedente, ou seja, só pode fazer alguma retirada depois de pagar todas as (muitas) contas, salários, tributos, etc. Aliás, importante dizer e de forma bem direta, que o criminalista paga secretariado, assessoria, estagiários, contratados; paga a água, o cafezinho, o chá, o papel higiênico, o material de limpeza; paga a luz, o telefone, a manutenção dos computadores (depois de tê-los comprado) e de todas as máquinas; enfim, quando quer alguma coisa, o advogado precisa pagar para ter e, somente depois de pagar tudo, recebe a sua parte. E que a verdade seja dita: advogados não recebem nenhum tipo de auxílio do estado para morar, para estudar, para alimentação ou qualquer outro. O advogado paga tudo. E paga muito.
Em segundo lugar, diante do que foi acima exposto, o advogado é livre para fixar honorários no valor que entender adequado, não estando obrigado a observar algum parâmetro, tabela ou qualquer forma de controle. Cada profissional, por certo, deve fazer a avaliação do seu custo, do seu grau de especialização, da situação do mercado e, principalmente, da natureza e complexidade da causa assumida, além da capacidade financeira do cliente, dentre outros aspectos.
O fato de a causa ser patrocinada pro-bono, mediante pagamento de valor baixo ou cobrança de cifras astronômicas é uma questão que interessa ao contratante e ao advogado contratado. Se você não é fiscal da receita, sinto muito, esse assunto não lhe diz respeito, mesmo que você esteja se contorcendo de inveja. Bons advogados criminalistas podem ter bastante dinheiro. Mas você não será chamado a opinar sobre isso, porque isso não lhe diz respeito.
Por isso, voltando à pergunta “quem paga os honorários do criminalista?”, penso que essa questão não carrega uma dúvida séria. Colocando as coisas nos seus devidos lugares: trata-se de um falso dilema. Na verdade, vejo que este questionamento está dirigido ao enfraquecimento da atividade da defesa e constitui um ataque indevido à imagem do defensor. Desde que tenha firmado contrato de honorários e entregue a competente nota fiscal de serviços, é inadmissível fazer recair sobre o advogado criminalista qualquer tipo de suspeita.
O tema ainda vai gerar muita discussão, sobretudo em tempos de tentativa de criminalização dos profissionais que, sem fazer a declaração ao órgão fiscalizador competente, receberem honorários considerados de origem duvidosa ou trabalharem em consultoria na área criminal para cliente em operação tida como suspeita [1]. A OAB e demais entidades devem se posicionar com firmeza para evitar que o advogado criminalista do contencioso seja compelido a “dedurar” seu próprio cliente. O advogado deverá fazer uma declaração de que suspeita da licitude do valor que está recebendo do seu cliente? Com certeza, não! A falta de informações claras a respeito de como, quando, de que forma fazer a declaração de suspeição, mas, principalmente, quem deve fazer tal reporte, mostra que ainda estamos muito longe de países como EUA, Espanha e Portugal, que protegem a atuação do advogado de defesa [2].
O advogado tem o dever de prestar contas dos valores recebidos para a receita federal e demais órgãos de controle, como qualquer outro profissional, sendo inadmissível qualquer tipo de diferença, crítica ou menosprezo, venha de onde vier. É inadmissível quebrar a prerrogativa da inviolabilidade, prevista no art. 2o. do Estatuto da Advocacia [3].
Para finalizar, uma resposta aos acusadores que utilizam o argumento da autoridade pública contra o caráter privado da advocacia, sobretudo no Tribunal do Júri. Assim como o acusador público pode pedir a absolvição ou a condenação de um acusado, o advogado criminalista, com a mesma liberdade, pode firmar ou não o contrato para a defesa de um acusado. No ambiente privado do seu escritório, o advogado não está obrigado a aceitar o patrocínio de qualquer causa, não responde a órgão corregedor, não preenche formulários de produtividade, não recebe censura ou patrulha hierárquica por suas posições ou atitudes.
E mais.
Por tudo isso, quando assume a defesa de uma causa, o criminalista não vende a sua alma ao diabo, como muitas vezes já ouvi péssimos e deselegantes acusadores sustentarem. Ele assume a defesa de uma tese, de acordo com as possibilidades oferecidas pela hermenêutica jurídica e pela prova dos autos. Não está obrigado (sequer) a pedir a absolvição do acusado.
Desse modo, fica claro que não há melhores ou piores. Todos são indispensáveis em igual medida, com os deveres da ética, da urbanidade e do respeito.
Quem paga os honorários? O pai ou a mãe do réu, seus avós, tios, irmãos, amigos, sua empresa ou ele próprio. Para o advogado, importa a declaração dos valores ao fisco e o pagamento dos respectivos impostos. Quem tem o dever de levantar suspeitas e apurar ilicitudes é o Estado, ou seja, cada um no seu quadrado.
É dever do advogado, em sua luta cotidiana ou reunido em associação, lutar para a preservação da integridade dessa instituição fundamental chamada defesa. Nesse sentido, para fazer respeitar a advocacia criminal, deve ser destacada a posse da nova Diretoria da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM, na pessoa do seu Presidente Elias Mattar Assad.
Não lutamos por qualquer tipo de auxílio. Apenas exigimos respeito.
Mais não digo.
Notas e Referências:
(1) ESTELLITA, Heloisa. Exercício da Advocacia e Lavagem de Capitais – Coordenação Heloisa Estellita. FGV : São Paulo, 2016.
(2) Sobre a regulamentação: http://www.conjur.com.br/2016-jul-24/entrevista-heloisa-estellita-advogada-professora-fgv
(3) Não se olvide a lição do Min. Celso de Mello: “As prerrogativas profissionais não devem ser confundidas nem identificadas com meros privilégios de índole corporativa, pois destinam-se, enquanto instrumentos vocacionados a preservar a atuação independente do Advogado, a conferir a efetividade às franquias constitucionais invocadas em defesa daqueles cujos interesses lhe são confiados.” (RE nº 603583, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 26/10/2011, DJe-102, divulg. 24/5/2012, publ. 25/5/2012)
Fonte: http://emporiododireito.com.br/