RÉU INCAPAZ – Pena de morte é anulada porque juiz não julgou incapacidade mental de réu confesso
Por ser réu confesso, o julgamento de Edward Wycoff foi simples e fácil. O júri levou apenas 45 minutos para considerá-lo culpado de duas acusações de homicídio de primeiro grau e mais 70 minutos para votar a favor da pena de morte — por unanimidade.
Mas, nessas circunstâncias, o juiz John Kennedy, eleito para o cargo, pulou uma parte obrigatória do julgamento, descrita na legislação da Califórnia: a de fazer uma audiência para julgar a capacidade mental do réu para ser julgado — ou seja, sua imputabilidade.
Na segunda-feira (23/8), o Tribunal Superior da Califórnia anulou o veredicto e a sentença de pena de morte — por decisão unânime. Segundo o tribunal, o juiz desconheceu o testemunho de um perito, nomeado pela própria corte, que considerou Wycoff incapaz de ir a julgamento por doença mental — provavelmente, esquizofrenia paranoide.
Além disso, o juiz permitiu ao réu fazer a própria defesa. Mas Wycoff desempenhou bem seu papel de “insano”. Ao se autorrepresentar, ele “tratou o julgamento como um show de entretenimento, contou inúmeras piadas e admitiu os fatos descritos nas acusações”, escreveu o ministro Martin Jenkins na decisão da mais alta corte do estado.
Os fatos: às 4h30 de 31 de janeiro de 2006, o réu matou a facadas e pauladas sua irmã Julie Wycoff Rogers, 47, e seu cunhado Paul Rogers, na residência do casal em El Cerrito, Califórnia, na frente de dois dos três filhos dos Rogers.
Aos jurados, que foram ofendidos pelo réu com palavras depreciativas, Wycoff disse que matou mesmo seus parentes, “para salvar seus sobrinhos”. Disse que os pais deles eram “liberais demais” (isto é, não lhes davam uma educação mais severa). E não o convidaram para a festa de Natal.
“Eu sou um tipo de homem especial. Escolho melhorar a vida das pessoas a meu redor. Os pais estavam educando muito mal seus filhos. Agora que eles foram eliminados, eu fiz uma limpeza na vida deles”. Wycoff esperava adotar os sobrinhos.
No entanto, um dos filhos, que serviu de testemunha e foi submetido a uma inquirição cruzada “brutal” por Wycoff, declarou que a vida dele ficou insuportável sem os pais. Mesmo assim, o filho, Eric Rogers, disse ao tio, durante a inquirição, que não aprovava a sentença de pena de morte: “Você é mentalmente infantil, imaturo para sua idade”.
Os ministros do tribunal superior consideraram o réu incapaz até de se relacionar com os advogados que foram apontados pela corte, que Wycoff considerava “inimigos”.
“Nos foram apresentadas provas substanciais da incapacidade mental do réu, especialmente sua incapacidade de se relacionar racionalmente com os advogados, em razão de sua doença mental. Portanto, o juiz era obrigado a fazer uma audiência para avaliar a saúde mental do réu, de acordo com a lei. Mas não a fez”, diz a decisão.
O julgamento, amplamente coberto pela mídia, foi em 2009. A pedido de Wycoff, o juiz marcou a audiência da sentença para o dia do aniversário do réu. Nesse dia, Wycoff se dirigiu a todos no fórum: “Bem-vindos à festa de meu aniversário. Vocês estão se divertindo? Aproveitem”.
O juiz Kennedy declarou que o réu demonstrou, durante todo o tempo, capacidade para enfrentar o julgamento e para atuar como seu próprio advogado. E disse ao réu: “Acredito que tomei a decisão certa ao permitir que você se autorrepresentasse”. Ao que o réu replicou: “Eu também”.
Segundo o site SFGate e o jornal Los Angeles Times, o juiz disse aos promotores que podem reprocessar Wycoff, se ele for considerado capaz de ser julgado. Wycoff, agora com 52 anos, está no corredor da morte do presídio de San Quentin, aguardando a execução, desde dezembro de 2009.
João Ozorio de Melo – Conjur