Skip links

Rumoroso Caso Robertinho: Ilegalidades na atuação da P2.

Recentemente, a imprensa goiana noticiou as prisões preventivas de policiais do serviço reservado da Polícia Militar que causaram a morte de Roberto Campos da Silva, o Robertinho, e lesões corporais em seu pai, que sobreviveu. O fato causou repercussão, principalmente pelo “modus operandi” dos policiais e porque a vítima, morta a tiros, era um jovem de 16 anos, sem passagem pela polícia.
Ao decretar as prisões, o juiz Oscar de Oliveira Sá Neto registrou que os PMs teriam invadido o domicílio das vítimas à noite, sem farda e sem viatura oficial, porque, segundo informantes, estas possuíam arma de fogo em casa. O magistrado também criticou o fato de PMs descaracterizados se imiscuírem em investigações criminais de atribuição da Polícia Judiciária.
O caso noticiado envolveu, portanto, duas situações ilícitas.
A primeira, usurpação de funções pelos chamados serviços de Inteligência da Polícia Militar, também conhecidos como “P2”, “PM2” ou “polícia secreta”.
A Constituição Federal dispõe competir à PM função de polícia ostensiva, atuando na preservação da ordem pública (art. 144, § 5º), enquanto atribui às polícias Civil e Federal funções de polícia judiciária, atuando na apuração de infrações penais (art. 144, §§ 1º e 4º). A investigação criminal de crimes comuns, como a posse ilegal de arma de fogo, deve ser realizada pela Polícia Civil, tendo a Constituição autorizado a PM a apurar somente crimes militares. O mesmo raciocínio se pode extrair do art. 4º do Código de Processo Penal, da Lei 12.830/13, e do art. 8º do Código de Processo Penal Militar.
Dessa forma, os serviços policiais realizados pela “P2” deveriam se limitar a apurar crimes militares e colher informações para subsidiar decisões estratégicas do órgão (alocação de viaturas e policiais, por exemplo). Jamais aos atos de natureza eminentemente investigativa (campanas, cumprimentos de mandados de busca e apreensão, de prisão, interceptações telefônicas e outros).
A segunda ilicitude diz respeito à invasão ao domicílio.
Em novembro de 2015, no julgamento do RE 603.616/RO com Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal deixou claro ser arbitrária a entrada forçada em domicílio com base em denúncia anônima, ainda que posteriormente se constate situação de flagrância, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. Esse entendimento reforça o núcleo fundamental da garantia à inviolabilidade da casa (art. 5, XI, CF) e da proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, art. 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 17, 1).
Portanto, o Caso Robertinho não apenas necessita de rigorosa apuração, mas revela que eventuais fragilidades estruturais das polícias Civis ou Judiciária e o discurso do combate à criminalidade não possuem o condão de legitimar a militarização da investigação de crimes comuns e a entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia, conforme o Direito.
(Roberto Serra da Silva Maia é advogado, professor universitário, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO e Conselheiro Nacional da Advocacia Criminal da ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas)

X