SAUDADES DO VELHO OESTE – Estados Unidos movem algumas palhas para conter massacres
O estado do Texas, nos EUA, lidera o país em número de massacres (31) e em número de pessoas mortas em massacres (mass shootings). As estatísticas não surpreendem: no Texas, é mais fácil para um adolescente comprar um rifle de assalto, do tipo AR-15, do que uma cerveja, alerta o jornal The Dallas Morning News. O estado tem mais de 6 mil revendas de armas, mais do que o dobro de qualquer outro estado.
Pois vem do Texas um fio de esperança de que o Congresso dos EUA possa aprovar alguma medida legislativa que restrinja, pelo menos um pouco, a compra e o porte de armas no país — e reduza o número de massacres, que a maioria da população já considera insuportável.
Um grupo formado por mais de 250 “amantes das armas” (como se autodenominou), que inclui — e essa é a parte significativa — diversos dos maiores doadores texanos para campanhas políticas de republicanos, publicou, neste domingo (5/6), um anúncio de página inteira no The Dallas Morning News, pedindo apoio dos políticos republicanos para um projeto de lei apresentado pelo senador texano John Cornyn (republicano).
O fato novo é que setores do Partido Republicano finalmente estão movendo algumas palhas, em vez de não fazer nada para responder ao último massacre no Texas, o de 24 de maio, em uma escola primária em Uvalde, Texas, em que morreram 19 crianças e dois professores. Nem uma palha foi movida após os massacres de Santa Fé, El Paso e Midland-Odessa, entre outros ainda na memória recente dos texanos.
Segundo a notícia do anúncio, repercutida pelo The Texas Tribune, o PL propõe a criação, através de um esforço bipartidário, de uma “lei da bandeira vermelha” (“red flag law”) — uma lei que institucionaliza a emissão de um alerta sobre um perigo iminente.
Isto é, a polícia, os parentes, amigos ou vizinhos de uma pessoa com algum problema, que pode usar armas de fogo para atacar outras pessoas ou a si mesma, podem pedir a um juiz para expedir uma ordem que impeça tal pessoa de ter acesso a armas de fogo, pelo menos temporariamente (ou até que a ordem seja revogada).
Nos EUA, 19 dos 50 estados e mais o Distrito de Colúmbia têm leis similares, que chamam de “programas de intervenção”. O estado da Califórnia lidera o pais nesse quesito. Mas o que se quer agora é uma legislação federal, para uniformizar o procedimento em todo o país.
O PL do senador texano também propõe a expansão das pesquisas de antecedentes criminais e a elevação da idade mínima para comprar e possuir armas para 21 anos. Não cria obstáculos à venda de rifles de assaltos, como os “queridos” AR-15, nem de qualquer outra arma de uso militar ou mais potente que um revólver ou pistola.
Mas um projeto de lei do deputado democrata Donald Breyer propõe a tributação de armas do tipo AR-15 em 1.000%. Isto é, uma arma que custa US$ 500 passaria a custar US$ 5 mil; e a que custa US$ 2 mil, passaria a custar US$ 20 mil. Sem chance. Tal projeto só servirá para ficar registrado nos anais.
O PL da “lei da bandeira vermelha” também não propõe a obrigação de se obter uma licença para compra e porte de armas, que foi revogada em vários estados, nem a obrigação de treinamento, nem de exame de sanidade mental. E não proíbe portar armas escondidas.
Mas é assim que o PL tem alguma chance de ser aprovado. De acordo com os republicanos a favor do PL não é possível conseguir tudo de uma vez. É preciso avançar aos poucos.
Para aprovar tal projeto no Senado, será preciso 10 votos favoráveis dos 50 senadores republicanos, além dos votos dos 48 senadores democratas e dois independentes. Nesse caso, alguns senadores republicanos terão de cuspir no prato em que comem — isto é, terão de renegar o apoio financeiro que as organizações defensoras das armas têm destinado a suas campanhas eleitorais e ao lobby das armas.
De acordo com a organização OpenSecrets, apenas três associações de defesa dos interesses das fabricantes de armas nos EUA — a National Rifle Association (NRA), Gun Owners of America e National Association for Gun Rights, aplicaram, de 1998 a 2022, US$ 28,9 milhões em doações diretas a campanhas políticas (quase todas de republicanos) e US$ 190,4 milhões em esforços indiretos – ou seja, em lobby.
Nesse caso, os senadores terão de se perguntar quem dá mais — as associações pró-armas ou os doadores de campanha, como os texanos que estão pedindo uma legislação para conter os massacres?
Alguns políticos, incluindo os que compareceram a um evento da NRA, em Houston, no Texas, dias depois do massacre de Uvalde, já mostraram de que lado estão. Lançaram a ideia de que para conter os bandidos (bad guys) é preciso armar os “mocinhos” (good guys). Saudades do Velho Oeste ou apenas uma ideia para para vender mais armas? Ou as duas coisas?
Na esteira do massacre de Uvalde, dois estados, Ohio e Louisiana, já movimentaram suas assembleias legislativas para aprovar projetos de lei que facilitem o uso de armas pelos professores ou criem grupos armados para fornecer segurança às escolas. Obviamente, os professores se opõem à proposta — especialistas em segurança também.
João Ozorio de Melo – Conjur