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Seis em cada 10 ações de improbidade são aceitas pelos TRFs

Por Thiago Crepaldi, Claudia Moraes e Robson Pereira
Reportagem de abertura do Anuário da Justiça Federal 2017
Um prefeito que compra combustível demais para o transporte escolar e um policial rodoviário que atira em um veículo que não obedeceu à ordem de parada devem ser responsabilizados pela Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992)? O Ministério Público Federal entende que sim e propôs ação nos dois casos. A Justiça Federal, entretanto, decidiu não se tratar de improbidade. Sancionada no dia 2 de junho de 1992 pelo então presidente Fernando Collor de Mello, a lei foi criada para punir atos de agentes públicos – e demais envolvidos – que resultem em enriquecimento ilícito (artigo 9º), que causem prejuízo ao erário (artigo 10) e que atentem contra os princípios da administração pública (artigo 11).

 /><figcaption>* 5 casos em segredo de Justiça    ** 98 casos em segredo de Justiça<br />
Fontes: TRF-1, TRF-2, TRF-3, TRF-4 e TRF-5</figcaption></figure>
<p>Irregularidades na aplicação de recursos federais e irregularidades em licitações são as principais acusações. Levantamento feito pelo <strong><a href=Anuário da Justiça Federal, com base nas ações julgadas no mérito pelos cinco Tribunais Regionais Federais, chegou a índices de condenações que variam de 79% (TRF-2) a 49% (TRF-1). Entre maio de 2015 e junho de 2016, os tribunais julgaram no mérito 597 apelações e reexames necessários, que resultaram em 362 condenações. Multas, ressarcimento do valor do dano, proibição de contratar com o poder público e perda da função pública foram as penas mais aplicadas pelos desembargadores federais, sem prejuízo das sanções previstas nas esferas administrativa e penal.
O maior índice de condenações foi registrado no TRF-2, com jurisdição sobre os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Foram cerca de oito condenações em cada dez ações por improbidade administrativa que tiveram o mérito julgado. O índice foi influenciado por ações contra servidores do INSS acusados de fraude na concessão de benefícios previdenciários. Em um ano, foram 29 acusações de fraude ao INSS levadas a julgamento, com 22 condenações, grande parte por inserção de dados falsos no sistema para permitir aumento no valor dos benefícios concedidos ou revisados pela autarquia.

 /><figcaption>Fontes: TRF-1, TRF-2, TRF-3, TRF-4 e TRF-5</figcaption></figure>
<p>Já no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, com jurisdição sobre seis estados do Nordeste (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe), apenas dois casos analisados tinham como objeto da denúncia fraudes contra a Previdência. Nesses estados, a maioria das irregularidades denunciadas pelo Ministério Público Federal tem relação direta com a execução de convênios entre prefeituras e órgãos federais, em programas destinados a reduzir as desigualdades regionais. O índice de condenações do TRF-5 foi de 54%.<br />
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, fraudes, irregularidades e dispensas de licitação foram as infrações mais registradas, seguidas de problemas em convênios com a União. A corte que atende aos três estados da região Sul do país registrou índice de 67% de condenações. Seis pontos acima da média entre os cinco TRFs, que foi de 61%. O <strong>Anuário da Justiça Federal</strong> encontrou dezenas de ações de improbidade em tramitação na Justiça Federal, como desdobramento do esquema que ficou conhecido como “máfia das ambulâncias”. Nos anos 2000, o Grupo Planam, controlado pela família Vedoin, participou de licitações com recursos de convênios entre o Ministério da Saúde e pequenos municípios do Sul do país. Foi acusado de beneficiar-se de direcionamento nas licitações com a anuência de prefeitos e com a participação de deputados federais, que aprovavam emendas parlamentares em benefício das prefeituras integrantes do esquema.</p>
<figure class= /><figcaption>Fontes: TRF-1, TRF-2, TRF-3, TRF-4 e TRF-5</figcaption></figure>
<p>O escândalo ganhou projeção nacional em 2006, quando a Polícia Federal deflagrou a operação conhecida como “sanguessuga”. O MPF propôs dezenas de ações criminais e de improbidade contra a família, prefeitos e agentes públicos. O Anuário identificou ações com condenações confirmadas em segundo grau nas cidades paranaenses de Sapopema, Pitanga, Almirante Tamandaré, Iporã, Guamiranga, Araucária, Iretama, entre outras. Nas ações, os empresários foram proibidos de contratar com o poder público e condenados, cada um, a pagar multa civil e a ressarcir o dano com repasse corrigido do que foi levado no processo licitatório – na maioria dos casos, unidades móveis de saúde que variavam de R$ 40 mil a R$ 100 mil. Os agentes públicos também foram punidos, mas o TRF-4 deixou de condenar muitos deles à perda de direitos políticos e de cargos públicos em atenção ao princípio da proporcionalidade.<br />
No âmbito do TRF-2, há condenações de prefeitos e secretários de pelo menos 15 municípios do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Ainda há ações correndo em todos os cinco tribunais. Estima-se que mil ambulâncias foram compradas com preços superfaturados e licitações fraudadas, com cartas-convites a empresas de fachada, envolvendo R$ 100 milhões em recursos públicos.<br />
No Rio Grande do Sul, um funcionário da tesouraria de agência da Caixa Econômica Federal se apropriou de R$ 280 mil em espécie que seriam destinados ao abastecimento dos terminais. Os desvios foram feitos em duas ocasiões e em anos distintos. Em sua defesa, sustentou que fora ameaçado e obrigado a fazer os desvios, o que não ficou comprovado. Na área penal, perdeu a função pública e, na ação de improbidade, foi condenado ao ressarcimento do dano, ao pagamento de multa e, pela gravidade do caso, à suspensão dos direitos políticos por cinco anos.<br />
Casos de agentes públicos que querem obter vantagem em função do cargo são comuns. Em Campo Mourão (PR), em 2006, a Polícia Federal e o MPF desarticularam grupo formado por agentes do INSS. Eles localizavam pessoas interessadas em obter aposentadoria e ofereciam auxílio no INSS. Encaminhavam os interessados aos servidores públicos do esquema, que concediam o benefício, mesmo sem o preenchimento de requisitos legais. Como remuneração pelos serviços de intermediação, os servidores recebiam R$ 2 mil por pedido. Julgados, perderam a função pública e foram condenados a pagar multas, ressarcir o dano e proibidos de contratar com o poder público.<br />
O TRF-1 foi o que mais julgou ações de improbidade e o que apresentou menor índice de condenações, 49%. Na maior parte das absolvições, não havia provas suficientes para indicar a intenção do agente em cometer o ato ímprobo ou ficou comprovado que os atos não foram graves o bastante para ensejar uma condenação pela lei de improbidade. “Irregularidades formais, sem demonstração de danos diretos ao erário, não expressam atos de improbidade administrativa, que imprescindem da desonestidade, da má-fé por parte dos gestores da coisa pública”, disse o desembargador Olindo Menezes, do TRF-1.<br />
“Não é razoável enxergar sempre, de forma automática, dolo, segundas intenções ou atos ímprobos nas irregularidades cometidas pela administração municipal, às vezes de caráter meramente formal”, entende. Integrante da 2ª Turma do TRF-5, Paulo Roberto de Oliveira Lima entende que há certo exagero do Ministério Público Federal nas acusações. “Se as ações encaminhadas fossem reservadas para hipóteses de efetiva desonestidade, teríamos um número menor de processos, com um percentual significativo de acolhimento dos pedidos”, afirma. “Hoje, de cada dez, não se aproveita sequer a metade.”<br />
Vladimir Carvalho, presidente da 2ª Turma do TRF-5, diz que, no caso das prefeituras, é preciso analisar os fatos de acordo com os homens que comandam a máquina municipal. “A lei vale tanto para municípios pequenos, como Lagoa de Ouro, em Pernambuco, como para a grande São Paulo”, afirma. Mas chama a atenção para um ponto que entende crucial: “Os grandes centros têm maior e melhor estrutura para assessorar o prefeito, o que não acontece nas pequenas cidades.” Afirma, ainda, que em muitos casos fica claro o problema ser muito mais relativo a inaptidão para o cargo do que improbidade.<br />
Procurador-chefe da 5ª Região, Antônio Edílio Magalhães Teixeira não concorda com as críticas. Para ele, o que acontece é que muitas vezes são exigidas provas fora da realidade. “Se houver a exigência de uma prova praticamente inexistente, não funciona”, afirma. O procurador tampouco concorda com o argumento de que a falta de assessoria técnica e jurídica nos pequenos municípios leva a erros e irregularidades em licitações, a ponto de justificar absolvições. “Se o eleito não tem condições de ser prefeito, não deveria assumir o cargo ou deveria se cercar de gente que tem condições. É uma obrigação. Ele tem que ser responsável pelas irregularidades cometidas”, afirma.<br />
Ações de improbidade também estão entre as prioridades da Procuradoria da 5ª Região (PRR-5), que, de acordo com levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público, é a que tem maior índice dessas ações em tramitação. Mais de 13% da demanda é relacionada a improbidade. Em 2015, chegaram 2.110 casos na PRR-5. Antônio Edílio explica que 90% das cidades do Nordeste recebem recursos federais, o que não acontece tanto no Sudeste.</p>
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Fontes: TRF-1, TRF-2, TRF-3, TRF-4 e TRF-5

Em geral, em todos os cinco tribunais federais fica patente nas decisões que o dolo é elemento subjetivo indispensável à configuração do ato de improbidade previsto no artigo 11 da Lei 8.429/1992. Há um ponto em comum na posição adotada pelos TRFs: o entendimento de que não é qualquer ilicitude que desafia as graves sanções previstas na Lei de Improbidade, mas aquela que revele a desonestidade do administrador, sua má-fé corroborada por provas. A norma, repetem incessantemente os julgadores, visa a punir o agente público desonesto ou imoral, e não aquele imperito ou inábil.
“Nenhuma das imputações dirigidas ao gestor dá notícia de que ele tenha feito qualquer gesto no sentido de locupletar-se (artigo 9º). Por outro lado, os danos pretensamente causados à administração, por alegada omissão em sua conduta (artigo 10), são, em verdade, mais o reflexo da inapetência administrativa que grassa em pequenas prefeituras do país, não decorrendo de corrupção ou assemelhado. Sim, seriam erros, mas erros jamais amoldáveis no tipo de ilicitude, qualitativamente mais grave, que a Lei de Improbidade censura e pune”, destaca acórdão da 2ª Turma do TRF-5.
“A Lei de Improbidade Administrativa deve ser aplicada na sua justa finalidade, para garantir o bem jurídico a que visa proteger”, afirmou a desembargadora Nizete Lobato Carmo, da 7ª Turma do TRF-2. Para ela, alargar a interpretação do que é improbidade pode ser profundamente negativo. O Conselho Nacional de Justiça tem meta que estipula que a Justiça Federal julgue pelo menos 70% das ações de improbidade que deram entrada até 2013. Pelo último relatório do Conselho, de fevereiro de 2016, a 2ª Região foi a que mais se aproximou da meta estipulada, com 69% de julgados. A média na Justiça Federal ficou em 52%.
Fonte: www.conjur.com.br

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