Stalking: Definição e Aplicação a luz do Direito Penal brasileiro
Através do princípio da intervenção mínima no direito penal, é perceptível a atuação deste na proteção dos bens mais importantes e necessários à vida em sociedade. Conforme afirma Muñoz Conde: “O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima”. Logo, observa-se que o direito penal intervirá em situações que lesionem os bens jurídicos relevantes à vida. Nesse viés, o uso em massa das redes sociais tornou-se solo fértil para novos crimes, urgindo o aperfeiçoamento do Código Penal. Sendo assim, o denominado “stalking” ganhou vasta notoriedade a partir de alterações legais que trouxeram uma nova percepção para este delito.
O termo “stalking” é de origem inglesa, derivado do verbo “stalk”, o qual detém seu significado como “perseguidor”, relacionando-se com o modus operandi de um animal que observa e persegue sua presa reiteradamente para atacá-la. Ademais, segundo a definição firmada por Castro e Sydow (2017, p. 53) “trata-se de curso de conduta de importunação, caracterizado pela insistência, impertinência e habitualidade, desenvolvido por qualquer meio de contato, vigilância, perseguição ou assédio.” Portando, tais conceitos são de grande pertinência para a compreensão efetiva quanto a caracterização prática do delito.
Nesse sentido, no dia 1º de abril de 2021, foi publicada e posta vigente a Lei nº 14.132/2021, a qual trouxe nova tipificação ao crime supracitado. O art. 147-A, incluído no código Penal brasileiro traz a nova redação que tipifica o crime de perseguição (stalking) e consequentemente, gera a abolitio criminis do art. 65 da Lei de Contravenções Penais. Entretanto, não efetiva a abolitio criminis automaticamente para a totalidade de condutas descritas neste artigo. Sendo assim, a partir da data de vigência da lei mencionada, esta deixa a antiga característica de contravenção penal e torna-se o crime atual mencionado.
As mudanças trazidas pela lei n°14.132/2021 resultou na seguinte redação:
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§ 3º Somente se procede mediante representação.
Em análise, pode-se observar que o artigo está posto no capítulo de crimes contra a liberdade individual, sendo claro o objeto jurídico cuja tutela é a liberdade individual e a tranquilidade pessoal. Por conseguinte, são fortemente afetados na concretização deste crime. Além disso, trata-se também de um delito “bicomum” ou seja, o sujeito ativo, bem como o passivo, podem ser praticados por qualquer indivíduo da sociedade, não havendo limitação para estes.
“Stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos.” (JESUS, Damásio Evangelista de. Stalking. Disponível em www.jusnavigandi.com.br acesso em 12/1/08).
Segundo a definição supracitada, perfeitamente colocada pelo doutrinador Damásio Evangelista, reitera a concepção trazida anteriormente na parte inicial do caput do art-147 A, o qual especifica a conduta reiterada para que seja configurado o crime. Nesse aspecto, a perseguição caracteriza-se na invasão recorrente a esfera da vida privada do sujeito, através de ações que visam restringir a liberdade e a privacidade do sujeito passivo. Dessa forma, a conduta pode ser concretizada por qualquer meio, resultando no perigo contra a integridade física e psicológica, visando a proteção total da vítima. Assim, tais ações buscam limitar, restringir a liberdade e locomoção do indivíduo afetado.
Outrossim, é válido ressaltar o constante no § 3º, o qual trata da representação condicionada por se tratar de ofensa a intimidade da vítima. O art. 24 do CPP traz a definição a ser exercida no prazo decadencial do art. 38 do CPP. Portanto, cabe ressaltar que a retratação da representação é aceita até o oferecimento da denúncia (art. 25 do CPP), salvo nos casos de violência doméstica e familiar, quando será até o recebimento judicial da mesma, ratificando-se o arrependimento em audiência especial (art. 16 da Lei nº 11340/06). (STJ, Resp 1.131.357/DF).
Sendo assim, conclui-se que como já mencionado, os atos de perseguição, anteriores a Lei nº 14.132/21, mantinham perfeita adequação ao tipo descrito no art.65 do Código penal. No entanto, após a vigência da lei mencionada, considera-se a reprimenda agravada, com pena atualizada de reclusão de 6 meses a 2 anos, podendo sofrer causas de aumento previstas nos incisos I,III e III do art.147-A.
Atualmente, todos os 50 estados americanos criminalizam a prática de stalking, e diversos países, assim como o Brasil, têm adotado a mesma postura, a exemplo de Portugal, que tipificou a conduta como crime em 2015, incluindo no seu Código Penal o artigo 154-A (GOMES, 2016, p. 21). Portanto, é de extrema relevância a postura adotada pelo país no objetivo de intensificar as medidas para assim, combater de forma efetiva as condutas lesivas a vida e aos bens jurídicos relevantes a ela.
*Elizabeth Guimarães é advogada Criminalista com especialização em Direito Penal e presidente da Abracrim/PE
**Wilson Alvares é aAdvogado criminalista e de sucessões, professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal, especialista lato sensu em Direito Penal e Processo Penal, mestre em Direito Penal e presidente da Comissão de Direito Penal da ABRACRIM/PE.
***Giselly Maiara da Silva Gonçalves é graduanda em Direito pela Faculdade Macêdo de Amorim (FAMAM), com monitoria em Direito Penal II