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Traição premiada acordo de delação e a questão ética

Técio Lins e Silva – Advogado

Em Brasília, me encontrei com um advogado, ficamos conversando, e eu disse: qual a sua especialidade? O senhor é criminalista? Ele respondeu: não, eu sou delacionista. Agora é uma nova categoria, ele é especializado na delação premiada. Nos anos da ditadura militar, alguns presos delataram, mas, se não delatassem, morriam ou desapareciam porque ninguém resistia à tortura que era imposta. Hoje, tem uma forma diferente, tem uma negociação estranha e cara. Nos meus 50 anos de andanças nos corredores da Justiça criminal, não posso imaginar advogados que se prestem a esse papel, porque é o que representou Joaquim Silvério dos Reis.

A delação premiada está nas Ordenações Filipinas do Reino de Portugal, em 1500. “Oh… isso é tão moderno o que estamos aplicando, importando dos países desenvolvidos”. Mentira, a delação é da Idade Média. E Joaquim Silvério dos Reis fez a delação premiada e ganhou o quê? Ganhou o título de coronel do Exército, mas manteve o seu patrimônio enorme, deixou de morar no Maranhão e pôde voltar para Portugal. Mas hoje o feriado nacional é de quem? É de Joaquim Silvério dos Reis ou de Tiradentes? A homenagem que nós prestamos é revolucionária, é a Tiradentes morto, esquartejado porque foi delatado. Então, Joaquim Silvério dos Reis é o símbolo da canalhice. E temos que conviver com a repetição desse tipo de prática, de exercício profissional, construindo a nova categoria de delacionistas: traidores e canalhas.

Quando nós nos envolvemos na advocacia de perseguidos políticos, não éramos bem-vindos nos ambientes sociais, não tínhamos clientes que pudessem pagar, até porque nós não cobrávamos honorários de presos políticos, essa era a regra, a tradição da Advocacia Cívica desde o Tribunal de Segurança Nacional. E a classe dominante, que poderia pagar, não nos procurava. Nós éramos advogados dos inimigos do regime, nós éramos advogados de subversivos e comunistas. Eu comecei muito cedo ― era estudante e entrei seguindo os passos do meu pai, Raul Lins e Silva, e dos meus companheiros mais velhos, acompanhando o exemplo dos advogados criminais que tinham esse compromisso na advocacia de perseguidos políticos. E quantas vezes ia ao banco, me chamavam para pagar e assinar nota promissória para pagar os funcionários e o telefone. Hoje, nós somos diferenciados, somos homenageados, considerados heróis da resistência e da democracia.

Os erros de hoje são parecidos com o do passado. Mudam os perseguidos, mudam as perseguições, muda o fundamentalismo, mas a mentalidade repressiva, o ódio à liberdade, o horror à justiça são os mesmos. E aí nós continuamos sofrendo, continuamos criminalizados, porque agora é diferente, agora os perseguidos são os que podem pagar.

*Publicado no Jornal “O TEMPO” – Belo Horizonte – Domingo 05 de janeiro de 2020 (pág. 17)

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