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Transformar STJ em “tribunal das teses relevantes” é antidemocrático

Por Sergei Cobra Arbex e Fernando Hideo I. Lacerda
Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, no último domingo (4/9), a ministra Laurita Vaz apresentou um “paradoxo do Superior Tribunal de Justiça”. Para a atual presidente da corte, quanto mais se julga mais se distancia da missão constitucional (aplicação uniforme da lei em todo o país), razão pela qual a solução seria “julgar menos, mais rápido e com qualidade”.
Nesse contexto, a ministra clama por urgência na aprovação da PEC 209/2012, que, em síntese, cria uma nova barreira à interposição dos recursos endereçados ao Superior Tribunal de Justiça, mediante alteração no texto constitucional que passaria a exigir a demonstração da “relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso” como requisito de admissibilidade dos recursos especiais.
Sem dúvida, julgar mais rápido e com qualidade é o que se espera do Poder Judiciário. Todavia, a solução não passa por “julgar menos”. A crise apontada pela ministra não pode ser atacada mediante a instituição de um novo paradoxo.
Afinal, poderia aquele que se autointitula o “Tribunal da Cidadania” fechar as portas ao cidadão, a pretexto de, nas palavras da ministra, dedicar-se apenas a “definir teses jurídicas relevantes para a sociedade”?
Ora, a função mais importante do Judiciário é atender o povo, ou seja, as partes, que não podem ter os seus direitos considerados menos relevantes.
Entre outras atribuições, a principal tarefa do STJ é o julgamento de recursos especiais e habeas corpus.
Entretanto, nos últimos anos a porta de entrada no STJ está cada vez mais estreita para os habeas corpus. Na esmagadora maioria dos casos, condiciona-se a sua admissibilidade à verificação de “flagrante ilegalidade”, expressão cuja vagueza e indeterminabilidade impedem um controle adequado, sujeitando-se as pretensões veiculadas a um filtro discricionário e arbitrário.
Ocorre que a PEC 209/2012, apontada pela ministra Laurita Vaz como solução para a crise do STJ, pretende incorporar à Constituição lógica semelhante ao estabelecer que no “recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso”.
Uma vez mais, apela-se à utilização de uma expressão totalmente vaga para limitar o acesso à jurisdição. Como identificar e classificar a “relevância” das questões de direito apresentadas? A reforma equivale a conceder ao STJ a prerrogativa para escolher discricionariamente quais recursos irá julgar, na exata medida da “relevância” que os julgadores atribuírem ao caso!
Os autores da PEC 209/2012 alegam que “problemas de congestionamento” poderiam ser resolvidos pela criação de obstáculo à interposição de recursos especiais, resultando na substituição do “modelo de livre acesso” ao STJ.
Combate-se equivocadamente o efeito, ao invés da causa. É preciso superar a falsa crença de que os recursos atrapalham o Poder Judiciário, pois é a prestação jurisdicional deficiente que gera morosidade e inconformismo social.
O STJ não precisa “julgar menos” para poder julgar “mais rápido e com qualidade”. Diante da multiplicidade de decisões ilegais proferidas nas instâncias inferiores, a corte deve investir em reformas estruturais, gestão eficiente e mecanismos que contribuam para a melhora na qualidade da prestação jurisdicional, mas jamais fechar as portas para o povo.
Se os Tribunais são usinas de processamento de feitos e os juízes gerentes de produção, como apontado pela presidente do STJ, urge que cumpram a sua fundamental obrigação com competência e sem tergiversação.
Restringir o acesso das partes ao “Tribunal da Cidadania” para transformá-lo no “Tribunal das Teses Jurídicas Relevantes” é uma agressão antidemocrática à Constituição Federal.
Fonte: www.conjur.com.br

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