TU VAI ME PAGAR! – Em crime de ameaça, palavra da vítima prepondera sobre a do acusado, diz TJ/RS
O crime de ameaça, tipificado no artigo 147 do Código Penal, se perfectibiliza quando a vítima fica amedrontada ante mal injusto prometido por meio de palavras ou por gestos. Afinal, além da palavra da vítima preponderar sobre a do réu, ninguém acusará um inocente se o delito não ocorreu.
O fundamento construído pela maioria da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve sentença que condenou um homem por ameaçar a sua ex-esposa durante uma discussão na Comarca de Cachoeira do Sul. Com o improvimento da apelação criminal, o réu acabou condenado a um mês de detenção, pena a ser cumprida em regime aberto.
Bate-boca de casal
A denúncia do Ministério Público, oferecida à Justiça em junho de 2017, narra que a ameaça foi feita no ápice de uma forte discussão travada entre o réu e sua ex-esposa, presenciada pelos filhos do casal. Inconformado com a majoração da pensão alimentícia e dificuldades na visita aos filhos, a certa altura, o réu disparou contra a ex: “Tu vai me pagar!”
O juízo da 2ª Vara Criminal da comarca julgou procedente a denúncia, condenando o réu. Em combate à sentença condenatória, a Defensoria Pública interpôs recurso de apelação, sustentando a tese de que o fato que deu ensejo ao processo não passa de “mera discussão mal resolvida”. Logo, não basta para amparar um juízo condenatório.
Julgamento da apelação
O relator do recurso na 1ª Câmara Criminal, juiz convocado Paulo Augusto Oliveira Irion, acolheu os argumentos do defensor público, absolvendo o réu com base artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP) — por não constituir o fato infração penal. Para ele, a expressão “tu vai me pagar” não pode ser entendida como desejo de mal.
Para o julgador, o delito necessita, para a sua completa configuração, que o “mal injusto e grave” proferido pelo agente se some ao “sentimento de medo e perturbação” no ofendido. E tal não ocorreu no caso dos autos. A mera projeção de palavras agressivas a outrem não contextualiza, por si, o dolo necessário à tipificação da conduta delitiva. Em outras palavras, faltou o requisito subjetivo para a caracterização da conduta criminal.
“Muito embora a vítima possa ter se sentido amedrontada diante da situação, o que não se está aqui questionando, não há que se falar na perfectibilização do crime de ameaça, uma vez que não foi proferido qualquer mal injusto e grave, nos termos do tipo penal que é imputado ao acusado”, escreveu no voto.
Vitória da divergência
O entendimento do relator, no entanto, não prosperou diante do voto divergente do desembargador Sylvio Baptista Neto que, junto com o colega Manuel José Martinez Lucas, negou a apelação criminal, prestigiando a sentença condenatória.
No voto vencedor, Baptista Neto fez questão de citar os argumentos do procurador do Ministério Público no colegiado, Mauro Henrique Renner. Este, no seu parecer, destacou que a ex-mulher do réu relatou com detalhes a prática criminosa, expressando temor em relação ao denunciado — e isso basta para caracterizar o delito. Afinal, apontou, “ameaçar” é procurar intimidar, prometer malefício, como caracteriza o artigo 147 do Código Penal e resta demonstrado nos autos, inclusive por testemunha da discussão entre o ex-casal.
“Cabe referir que o delito de ameaça, crime formal, se configura diante da demonstração do efetivo temor causado na vítima pelas palavras proferidas pelo acusado, o que realmente ocorreu, visto que a motivou a registrar ocorrência policial, fato que não existiria caso não se sentisse intimidada, o que torna indiscutível o dolo e a tipicidade do delito”, concluiu Baptista Neto no voto.
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70084445386
Jomar Martins – Conjur