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Uma instituição chamada defesa ou como você pode defender esse criminoso? – Por Jader Marques

Por Jader Marques
Sr. advogado criminalista, como você pode defender essa pessoa?
Essa pergunta está presa na garganta de muita gente. Em algumas pessoas, essa questão apresenta-se como uma verdadeira indignação. Há quem pense nisso com certa incredulidade ou até com repugnância, do tipo, como esses advogados têm estômago para fazer a defesa em tal caso.
Quem faz a pergunta, indignado, raramente pensa no fato de o advogado estar a exercer a sua profissão, geralmente, com força, com zelo, com dedicação.
Sempre é possível usar o argumento de que o médico, o dentista, o enfermeiro, atendem a todos os pacientes, que o taxista transporta todas as pessoas, que o bancário atende o mais terrível dos bandidos, quitando sua conta de luz e água.
Como o criminalista pode defender os criminosos?
Para entender a situação, você que está lendo este texto (você mesmo, que nunca pensou em ser acusado de algum crime), precisa entender que pode sim ser acusado da prática de uma conduta prevista na lei como um crime, justa ou injustamente, tenha ou não cometido a tal infração.
Você deve saber que ficará desesperado com a consequência dessa acusação sobre a sua vida, sobre o seu cotidiano, que, aliás, nunca mais será o mesmo. Você ficará abismado com a possível repercussão da acusação sobre a vida de outras pessoas.
Você ficará chocado com a pressão exercida pela força esmagadora da mídia, que tudo quer saber, que tudo quer publicar, que comenta, que investiga, que algumas vezes julga e até condena, antes mesmo de haver um processo.
Você verá que perdeu o direito a ter futuro. Você viverá uma grande escuridão, uma grande incerteza, uma grande angústia. Você fará milhões de vezes a pergunta: por quê? E ficará uma eternidade aprisionado num presente que não cessa de trazer, a cada instante, a memória dos fatos que impulsionam novamente a pergunta: por quê? E pensará que você criou para as pessoas atingidas a mesma situação. Elas também farão a pergunta: por quê?
Pois bem. No meio de toda essa angústia, o advogado criminalista será aquele que irá lutar com todas as forças para que um julgamento de acordo com a lei aconteça, para que a forma e a substância sejam respeitadas e você, na condição de réu, seja bem julgado, ou seja, se você errar e o mundo cair sobre sua cabeça, você poderá contar com o advogado criminalista para estar ao seu lado, exigindo o devido processo legal, contra tudo e contra todos.
Entenda que o advogado criminalista não é padre e, por isso, não estará preocupado com os seus pecados. Advogado criminalista não é pai e nem mãe, portanto, não vai julgar o seu bom ou mau comportamento. Advogado criminalista não é psicólogo, portanto, não vai tratar as suas culpas do passado, as suas neuroses ou os seus transtornos. Advogado criminalista é um pouco disso tudo, mas sua obrigação é ser o defensor do direito de defesa da pessoa acusada, portanto, não deve ser julgado por fazer o seu trabalho.
Voltemos à pergunta: como pode o criminalista defender um criminoso? Da mesma forma que você seria defendido, seus pais, seus familiares ou qualquer pessoa acusada e, geralmente, ainda nem julgada.
Por que é tão difícil aceitar isso? Porque você se coloca o tempo todo na condição de vítima e, quase nunca ou nunca, na condição de acusado, embora compre produtos contrabandeados, sonegue impostos, use drogas, enfim, embora faça uma série de coisas que você costuma achar que “não vai dar nada”, mas que estão descritas num tipo penal, ou seja, são crimes.
Saiba que você pode vir a ser esse “outro” que você tanto abomina.
Por isso tudo, não canso de dizer que é chegado o tempo de um novo tempo: o tempo de uma nova gramática, porque em todas as esquinas, em todas as calçadas, em todas as quadras, em todas as sombras, em todas as praças, em cada uma das casas, em todas as lanchonetes de rodoviária, em todos os trens, em todos os turnos, em todos os túneis, em todos os lugares você vai encontrar o outro que não quer ver, que não quer ser. O outro que é diferente, que é igual a você ou que, talvez, seja parecido com tudo o que você estranha. Esse outro que assusta por sua imagem tão real, por seus gestos tão pessoais, por um cheiro de humano demasiado, por estar no mundo de um jeito tão próprio, mesmo quando não agrada. Outro que atravanca seu caminho, atrapalha seus planos, torna inconsistente a sua ideia de uma vida sem sobressaltos. Outro que é o mau e o mal, que você vai encontrar em todas as esquinas e vai encontrar também diante do espelho, quando perceber que o outro também está lá, olhando você da cabeça aos pés, querendo e negando, reconhecendo e estranhando. E quando você fechar os olhos, o outro virá habitar seus sonhos, pesadelos, pensamentos, porque o outro está em todos os lugares, porque o outro está dentro de cada um de nós.
Para saber se o advogado criminalista pode defender outra pessoa acusada de um crime, pense se você gostaria de ter uma boa defesa, caso estivesse no lugar dela, ou seja, caso você fosse o outro.
Tolerância.
Jader Marques é Advogado desde 1996. Especialista e Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS e Doutor em Direito pela UNISINOS/RS. Integra a Associação dos Escritórios de Advocacia Empresarial – REDEJUR, o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA e o Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais – ITEC. Presidente da ABRACRIM-RS.

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