VAZA JATO – Lava jato pediu intervenção do FBI em sistema da Odebrecht sem fazer pedido formal
O consórcio da “lava jato” em Curitiba pediu que o FBI ajudasse a quebrar a criptografia do sistema de pagamentos ilegais da Odebrecht, mas o órgão brasileiro não passou pelos canais oficiais de colaboração. Os procuradores admitiram, inclusive, que o FBI tinha mais conhecimento sobre as investigações envolvendo a empreiteira do que as autoridades brasileiras. É o que mostram diálogos divulgados nesta quarta-feira (1º/7) pela Agência Pública, em parceria com o The Intercept Brasil.
As relações entre o FBI e a “lava jato” já tinham sido reveladas pela ConJur em 2018, e os diálogos mostram o alcance dessa ligação direta entre procuradores que se vangloriam de trabalhar pelo Brasil com autoridades dos Estados Unidos, sem passar pelas vias legais brasileiras.
As conversas divulgadas hoje ocorreram em um grupo nomeado “Acordo Ode” (em relação à Odebrecht), e tratam do sistema MyWebDay. Diferentemente do que tinha sido publicado anteriormente, os procuradores já tinham acesso ao sistema, porque estavam cooperando com as autoridades suíças que tinham apreendido o material.
Em 31 de agosto de 2016, o procurador Paulo Roberto Galvão disse que pediu auxílio do FBI para “quebrar” ou “indicar um hacker” para acessar o sistema My Web Day. O problema foi esse: pedir, de maneira totalmente informal, sem pedido de cooperação técnica, que um órgão de investigação estrangeira interferisse na cadeia de custódia de provas de uma investigação no Brasil.
Em resposta, o promotor Sérgio Bruno, que coordenava a “lava jato” em Brasília, afirmou que o então Procurador Geral da República Rodrigo Janot chegou a ter uma reunião na embaixada americana para pedir ajuda com os sistemas criptografados da Odebrecht.
Paulo Roberto, então, admitiu que o FBI tinha “total conhecimento” sobre as investigações, ao contrário das autoridades brasileiras. “O canal com o FBI é com certeza muito mais direto do que o canal da embaixada. O FBI tb já tem conhecimento total das investigações, enquanto a embaixada não teria. De minha parte acho útil manter os dois canais.”
Depois, ele disse que as conversas com o FBI aconteciam em várias frentes: “A nossa foi sim com o adido, porém o que fica em SP. O mesmo que acompanha o caso LJ.”
Em outubro de 2016, outro diálogo dá a entender que o pedido de ajuda para acesso ao sistema já tinha sido feito pessoalmente ao adido do FBI David Williams. “Se não me engano o assunto de baixo é o mesmo que o Carlos Bruno explicou para mim recentemente na despedida do Adido Frank Dick na embaixada do Reino Unido (certo Carlos?)”, escreveu o adido, em uma mensagem encaminhada por Roberto Galvão.
“Eu acho que em resumo o que eles estão falando é que sem os arquivos-chave, é impossível no cenário da Odebrecht destravar o volume do TrueCrypt apenas com uma senha”, escreveu David Williams aos procuradores, já ciente de que eram necessários três passos para acessar o sistema da Odebrecht, e que duas das chaves de acesso tinham sido perdidas.
“Eles podem fazer uma análise forense nas imagens que têm os dados do TrueCrypt, e fazer uma tentativa para localizar os outros arquivos-chave. Se essa análise é algo que você gostaria de receber assistência, avise-nos e podemos ver se é algo que o FBI pode tentar”, completou o americano.
Aparentemente, embora as conversas tenham prosseguido, a “cooperação” não vingou, segundo a Pública. No entanto, no final de 2016, a Braskem (joint venture entre Odebrecht e Petrobras) fechou um acordo com o Departament of Justiçe (DoJ) dos EUA para o pagamento de uma indenização de US$ 3,2 bilhões aos EUA, Suíça e Brasil (que depois foi reduzido para US$ 2,6 bilhões) por práticas de corrupção.
O compartilhamento desses detalhes sobre o funcionamento do sistema com norte-americanos é importante porque mostra que o Ministério Público Federal estava disposto a autorizar uma interferência estrangeira em investigação brasileira sem passar pelos caminhos formais, o que pode caracterizar uma conduta ímproba.
Para complicar a situação, o MPF já enfrenta uma acusação de ter quebrado o fluxo legal das provas na “lava jato”. A defesa do ex-presidente Lula chegou a protocolar uma reclamação no STF com base em uma perícia que concluiu que documentos podem ter sido adulterados em algum momento da cadeia de custódia.
Em resposta à Pública sobre esse ponto das conversas, o consórcio disse que “os dados do sistema Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação do Poder Judiciário brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a diversas investigações e acusações criminais” (um provável equívoco fez com que a Pública tenha perguntado sobre o sistema Drousys em vez do MyWebDay, que era o citado nas conversas).
Em relação à colaboração com os EUA em geral, invocou as platitudes de sempre, dizendo em nota que a “cooperação internacional” inclui, “antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas”.
FBI e “lava jato”
As relações entre o FBI e a “lava jato” já tinham sido reveladas pela ConJur em 2018. O site também noticiou que o “sucesso” da cooperação entre os dois países levou à criação de um escritório em Miami para investigação de casos de corrupção na América do Sul.
Pelo menos desde 2014, o FBI tem um programa regular de envio de agentes ao Brasil para atuar em casos de corrupção internacional. Em decorrência da “lava jato”, diversas empresas brasileiras, como Petrobras, Eletrobras e Odebrecht, fizeram acordos com o governo americano.
*A notícia informava, erroneamente, que o MPF tinha compartilhado provas com o FBI antes de ter autorização formal. Após apuração, a ConJur corrigiu o texto, uma vez que já havia autorização. Permanece o problema de a solicitação ao FBI ter sido feita sem passar por nenhum canal oficial. Texto atualizado às 17h23.
Conjur