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HC DE SCHRÖDINGER – Turmas criminais do STJ consolidam divergência sobre conhecimento de HC

A divergência existente no Superior Tribunal de Justiça quanto à possibilidade de conhecer de um Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário é inconciliável. A cisão jurisprudencial ficou ainda mais evidente em julgamento de ontem, quarta-feira (28/10), na 3ª Seção, que une os ministros das 5ª e 6ª Turmas e que seria responsável por dirimir as diferenças de interpretação.

Para a 5ª Turma, o HC substitutivo de recurso ordinário não deve ser conhecido. Ainda assim, diante de uma ilegalidade que foi comunicada nos autos, mesmo que por meio de impetração inepta, os ministros podem conceder a ordem de ofício.

A 6ª Turma não vê sentido nenhum nisso. Se é para analisar o mérito de qualquer maneira, já desde o início de 2017 os ministros integrantes decidem conhecer do pedido para votar se concedem ou não a ordem.

A divergência é inconciliável porque os entendimentos são unânimes em suas respectivas turmas. Nem a chegada do ministro João Otávio de Noronha, que estava na presidência do STJ e assumiu a vaga do ministro Jorge Mussi na 5ª Turma, alterou o desenho jurisprudencial. Nesta quarta, ele votou por não conhecer do HC.

Assim, a 3ª Seção não poderá consolidar um entendimento porque, por determinação regimental, o ministro que ocupar a presidência só votará se houver empate. Assim, o entendimento defendido por uma das turmas sempre estará desfalcado, com quatro votos de um lado e outros cinco do outro.

Vai-e-vem jurisprudencial?
Dois casos exemplificaram bem essa questão. A diferença jurisprudencial coexistia silenciosamente até junho, quando o ministro Reynaldo Soares da Fonseca suscitou Questão de Ordem durante o julgamento de um HC para mudar a proclamação do resultado, impondo o não-conhecimento e a concessão da ordem de ofício.

A Questão de Ordem foi feita para não permitir a eventual conclusão de que a 5ª Turma não segue a jurisprudência da 3ª Seção. E só foi aceita porque o presidente era o ministro Nefi Cordeiro, que integra a 6ª Turma. Além disso, estava ausente na ocasião o ministro Antonio Saldanha Palheiro, que também se oporia na matéria.

Na ocasião, o ministro Ribeiro Dantas explicou que a ideia não era impor um entendimento sobre o tema, mas apenas “mostrar que nós não estamos errados”. Quatro meses depois, ao trazer voto-vista em outro HC julgado pela 3ª Seção, ele mais uma vez propôs a alteração da proclamação.

“Estou insistindo nisso não por ser eu um formalista. Longe de mim. Mas este é um tribunal de precedentes e faz pouco tempo que esta seção uniformizou este entendimento. Não há nada que justifique ele ser mudado tão rapidamente”, afirmou. O ministro Rogério Schietti então pediu a segunda vista para tratar dessa questão em específico.

Nesta quarta, a 3ª Seção “mudou a jurisprudência” de novo. Por 5 votos a 4, o colegiado conheceu do Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário e concedeu a ordem para afastar as sanções de perda do mandato e inabilitação para exercício da função pública pelo prazo de cinco anos de um réu.

A maioria de cinco votos foi formada pelos cinco ministros da 6ª Turma. O ministro Nefi Cordeiro, por ser o relator do HC afetado à 3ª Seção, pôde votar. Quem ficou de fora foi o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que assumiu a presidência para o julgamento.

Perda de tempo
No voto-vista, o ministro Schietti explicou as dificuldades de adotar o entendimento da 5ª Turma. Para ele, conceder a ordem após não conhecer do recurso implica em dizer que o mérito foi examinado e sobre ele se decidiu, algo que paradoxalmente exige a prévia admissão ou conhecimento. Do ponto de vista lógico, implica em violação do princípio da não-contradição. Além disso, a atuação de ofício pressupõe ausência de provocação das partes.

“Ninguém me respondeu até agora: qual é a utilidade deste procedimento? O que ganhamos com isso? Gostaria de uma resposta que não seja meramente a afirmação de que a iniciativa do advogado de impetrar Habeas Corpus em vez do recurso não deveria ser cabível. Se examinamos em seguida, isso é uma contradição”, apontou.

“Essa discussão é de alguma maneira uma perda de tempo”, afirmou o ministro Ribeiro Dantas, ao defender a posição da 5ª Turma. Para ele, não há violação da lógica porque o HC permite algo que os demais recursos não permitem: a concessão de ofício. O não-conhecimento é da impetração. Mas justamente por essa possibilidade que o HC oferece, analisa-se a existência de ilegalidade.

“Não viola a lógica porque quando eu digo que não conheço é uma coisa; e quando eu concedo de ofício, é outra. É mesma coisa que acontece quando eu peço um copo d’água, e o copo não é feito de água. E você entende”, apontou. Para ele, a nomenclatura correta seria “indefiro sem julgar o mérito”.

O final do voto do ministro Schietti trouxe uma proposta que consolidou a ideia de ser inconciliável a diferença jurisprudencial. “Ante essa falta de consenso, é de se permitir a cada turma continuar com o poder ínsito de usar terminologia que considere mais adequada”, apontou.

Em seu voto-vista, Schietti faz menção a artigo do advogado Alberto Zacharias Toron — publicado na ConJur —, em que demonstra que, sob a Constituição de 1988, não existe proibição de se manejar HC como substitutivo de recurso ordinário.

Histórico
A ideia de não conhecer de Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário foi implementada pelo ministro Marco Aurélio, do STF, como forma de combater o problema criado pelo excesso de pedidos que chegavam à corte em 2012. A jurisprudência foi inaugurada na 1ª Turma do STF, sob alegação de que a prática configura tentativa de saltar instâncias.

“Se arrependimento matasse, eu estaria morto”, afirmou o ministro, posteriormente, em entrevista ao Anuário da Justiça. A prática caiu tão a gosto no Judiciário que ampliou o rigor da análise de ilegalidades e se transformou numa espécie de escudo dos julgadores. “Aí é diminuir muito a importância dessa ação nobre, de envergadura, que está prevista na Constituição, que é o Habeas Corpus”, disse Marco Aurélio.

Em setembro de 2012, o STJ já aderia à jurisprudência proposta pelo ministro do STF, com críticas ao uso expansivo do HC. Foi só em maio de 2017 que a 6ª Turma passou a divergir, tanto por economia processual quanto por questões jurisprudenciais. A ideia é: não faz sentido analisar o cabimento se, ao checar ilegalidades apontadas, entra-se no mérito de qualquer maneira.

A questão do HC inclusive segue tormentosa na corte, como publicou a ConJur. Levantamento feito pelo Anuário da Justiça Brasil 2020 mostra que nos últimos cinco anos o julgamento de HCs na corte mais que dobrou, apresentando uma variação de 112,7% e dificultando a definição de teses qualificadas pelos ministros.

Danilo Vital – Conjur


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