VIOLAÇÕES DE DIREITOS – Audiência mostrou desafios ao monitoramento do sistema prisional no Brasil
A audiência pública convocada pelo ministro Gilmar Mendes para debater o monitoramento do sistema prisional foi encerrada na manhã desta terça-feira (15/6) com a participação de defensores públicos de cinco estados e do Distrito Federal, especialistas na área e juízes.
No discurso de encerramento, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a audiência pública demonstrou o tamanho do desafio que deve ser enfrentado para que se avançar na “questão do estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro”. Para ele, a audiência alcançou o objetivo de dar visibilidade a situações de violações de direitos enfrentadas pela população carcerária.
“A diminuição da superlotação carcerária e a melhoria das condições de encarceramento poderão contribuir para a retomada do controle desses espaços pelo poder público, com o decréscimo da influência das organizações criminosas sobre atos ocorridos do lado de fora dos presídios e dos casos de aliciamento de pessoas detidas por crimes menos graves”, disse o ministro.
Os representantes da Defensoria Pública do Distrito Federal Reinaldo Rossano Alves e Werner Abich Rech sugeriram aplicar no DF um regime semiaberto humanizado com monitoramento por tornozeleira eletrônica. Eles pediram que isso seja viabilizado por meio de decisão do STF ou regulamentação do Conselho Nacional de Justiça.
Defenderam ainda a criação de um “gatilho de interdição automática” das unidades prisionais por meio do critério numerus clausus (em que a entrada de um indivíduo no sistema carcerário deve corresponder à saída de outro) quando a lotação da unidade prisional estiver em 120%.
Integrante de núcleo que inspeciona as unidades prisionais paulistas, o defensor público do Estado de São Paulo Leonardo Biagioni de Lima denunciou diversas violações nesses locais, como racionamento de água e precarização da alimentação, do fornecimento de itens básicos de higiene e do atendimento à saúde.
Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira e Pedro Paulo Lourival Carriello, defensores públicos no Estado do Rio de Janeiro, apontaram para um aumento significativo da decretação de prisões preventivas por força de reconhecimento fotográfico, que estariam avolumando o número de detidos de “forma desmedida”. Ressaltaram também a necessidade de se combater o que classificaram de superencarceramento.
Cintia Luzzatto, da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, denunciou a superlotação nos presídios no estado, com pessoas detidas até mesmo em viaturas de polícia, e o descumprimento da decisão do STF nos HCs 165.704 e 143.641, com presas grávidas, lactantes e mães de menores de 12 anos.
Segundo a defensora pública em Minas Gerais Alessa Pagan Veiga, o mesmo tipo de descumprimento ocorre no estado em que atua. Por fim, o defensor público no Estado do Amazonas Messi Elmer Castro Vasconcelos propôs que seja criado um banco de dados com informações de guarda e paternidade, coletadas no momento em que o preso ingressar no sistema.
Especialistas
A pesquisadora Carolina Barreto Lemos, do Laboratórios de Estudos da Cidadania, Administração de Conflitos e Justiça da Universidade de Brasília, que atua em parceria com o Laboratório de Estudos Etnográficos e de Antropologia do Amapá, denunciou que o sistema prisional cria um quadro sistêmico de violência que, durante a pandemia, atingiu patamares absurdos, com muitos presos sendo mantidos incomunicáveis por meses. Para ela, é necessário criar mecanismos de controle social sobre o cárcere que permitam a fiscalização pela comunidade.
Da Frente Estadual pelo Desencarceramento de Pernambuco, Liliana Maria Cabral de Barros relatou que o estado tem a terceira maior taxa da população encarcerada no Brasil, sendo que metade dessas pessoas não contam com condenação definitiva. Segundo ela, ir a uma prisão é como entrar em uma senzala, onde a maioria é composta por pessoas pobres e pretas.
As representantes do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Luiza Mahin defenderam um “enorme debate” sobre o que chamaram de “cultura de encarceramento”, que seria a “força motriz” do modelo brasileiro de justiça. Nesse sentido, disseram, as políticas públicas aplicadas e a destinação de verbas se concentram em programas penais, e não em programas sociais.
Afirmaram ainda que o encarceramento por tráfico é o que gera a superlotação nos presídios e, por isso, solicitaram o julgamento, pelo STF, do RE 635.659, que trata da descriminalização do porte de droga para consumo próprio.
Catarina Mendes Valente Ramos e Luis Renan Coletti, representantes da Clínica de Acesso à Justiça e Educação nas Prisões (Cajep) e outras entidades ligadas a universidades federais, defenderam a necessidade da atuação conjunta dos órgãos do Estado na fiscalização das condições de encarceramento existentes no país. Coletti propôs, também, que a competência do juízo de execução penal deixe de ser administrativa e passe a ser jurisdicional.
Magistrados
Ao final da audiência, manifestaram-se na audiência pública juízes e desembargadores envolvidos com o sistema prisional. O desembargador Ruy Muggiati, do Tribunal de Justiça do Paraná, defendeu o uso nacional do Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) como importante ferramenta de combate à cultura do encarceramento na sociedade brasileira.
O desembargador Fernando Zardini Antônio, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, destacou a importância do CNJ na coordenação nacional das políticas públicas afetas ao sistema prisional, como por exemplo o programa de mutirões carcerários.
Já o desembargador Élio Wanderley de Siqueira Filho, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, demonstrou a preocupação de que o Estado esteja presente na defesa da paz social, uma vez que, no país, há grande parcela da população que se encontra refém de grupos criminosos. Defendeu ainda educação, religião e trabalho como ferramentas de reinserção social da população carcerária.
Por fim, representando o Observatório Interinstitucional de Direitos Humanos, criado no âmbito do TJ-PR, o desembargador Fernando Wolff Bodziak defendeu que se fortaleça a rede de proteção à população vulnerável relacionada à esfera prisional, que são as crianças, os adolescentes e os deficientes, de forma a mudar a cultura do encarceramento a partir de uma política institucional de direitos humanos. Com informações da assessoria de imprensa do STF.
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HC 165.704
Conjur