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FOGO AMIGO – Sem mandado, polícia não pode entrar na casa de suspeito com autorização da sogra

A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o Direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida.


Assim entendeu a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao dar provimento a um recurso de apelação para anular as provas obtidas em uma busca e apreensão realizada pela Polícia Civil.

Por maioria de votos, os desembargadores decidiram que, como não havia mandado judicial e o acusado não estava na residência, o ingresso no imóvel não poderia ter sido autorizado por terceira pessoa, no caso, a mãe da namorada dele.

De acordo com os autos, havia uma investigação em andamento envolvendo tráfico de drogas, e diversos mandados de busca e apreensão foram expedidos pelo Poder Judiciário. Uma das ordens judiciais tinha como alvo a residência da sogra do acusado.

Os policiais chegaram ao local, efetuaram a busca e não encontraram nada de ilícito. A dona da casa teria informado que o acusado morava em outro imóvel, autorizando a entrada deles. No interior do imóvel, foi encontrada uma espécie de laboratório, com balanças de precisão, um liquidificador industrial, grandes quantidades de cafeína e lidocaína, além de um telefone celular produto de furto.

O acusado foi preso posteriormente e acabou sendo denunciado, juntamente com outros indivíduos identificados na investigação, pela prática dos crimes de associação para o tráfico de drogas, tráfico de drogas e receptação. Em primeira instância, ele foi condenado a nove anos de reclusão, em regime inicial fechado.

A defesa apresentou recurso de apelação, argumentando que os próprios policiais civis admitiram, em audiência, que não dispunham de mandado de busca para ingressar no imóvel e que a entrada teria sido autorizada pela sogra do acusado, que sequer estava presente no local.

Ao acolher o recurso e declarar a nulidade das provas, o relator, desembargador Vico Mañas, afirmou que os depoimentos dos próprios policiais responsáveis pela apreensão demonstram a ilicitude da prova, pois não havia mandado de busca para a casa do réu. E foi justamente o material apreendido no local que embasou a condenação.

“Lá entraram sem autorização de quem legalmente poderia concedê-la, já que ninguém estava no domicílio na oportunidade. O acusado só foi pego posteriormente. À evidência, a mãe da companheira do apelante não poderia permitir o ingresso dos policiais, pois a residência não era dela”, afirmou o desembargador.

O procedimento que atenderia os ditames legais, segundo o relator, seria pedir a expedição de novo mandado voltado à casa do acusado “Adotadas as devidas cautelas legais no tocante aos outros logradouros, nada justificava tratamento diverso na sequência das investigações, sobretudo porque nada de ilícito fora encontrado no domicílio objeto da autorização judicial de busca”.

Mañas afirmou ainda que não havia justificativa prévia para a diligência executada, que configurou, nesses moldes, inaceitável violação domiciliar, revestindo de ilicitude os elementos de convicção reunidos. Para embasar a decisão, o magistrado citou precedentes do STF (RE 603.616) e do STJ (RHC 154.093).

“Assim, não remanescendo outras provas válidas a alicerçar a condenação do apelante, o desfecho adequado é a absolvição. Frise-se que o raciocínio é aplicável tanto no que diz aos delitos previstos na Lei 11.343/06 quanto para a receptação. Afinal, o celular fruto de crime precedente foi localizado na mesma diligência ilícita no interior da residência. De todo casual o encontro do aparelho”, concluiu Mañas.

Segundo os advogados William Oliveira e Eduardo Marcandal, do escritório William Oliveira, Infante, Vidotto e Alves Advogados, a sogra do acusado não tinha legitimidade para autorizar o ingresso dos policiais na residência dele, e também não havia fundadas razões que justificassem a violação do domicílio, mesmo em se tratando de crimes permanentes. “Vale frisar que a decisão está alinhada às recentes decisões do STJ e do STF sobre a matéria”, disseram.

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1501837-08.2019.8.26.0533


Conjur

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