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OPINIÃO – Ponto inflexível do direito de defesa: o mínimo defensivo no interrogatório

São muitas as manifestações dos tribunais pátrios a respeito da inaplicabilidade do princípio da ampla defesa e do contraditório no curso do inquérito policial (STJ, HC 410.942 SP 2017/0193298-4 e RHC 47.938 CE 2014/0117707-2; STF, AG.REG. no Agr. Instr. AI 687.893 PR).


O debate doutrinário e jurisprudencial nasceu da dúvida sobre a extensão de aplicação do contido no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que diz: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.


O que fica claro é que, apesar da discordância quanto à extensão da aplicação destes princípios, atualmente é unânime, na doutrina e jurisprudência, a impossibilidade de se aplicá-los na mesma dimensão e profundidade que no processo e, assim, na fase investigativa a defesa seria limitada, e o contraditório, mitigado, na lição de Leonardo Marcondes Machado autodefesa positiva, pois é a única capaz de acrescentar elementos de prova para o esclarecimento da investigação.


Esta modalidade de defesa jamais pode ser interpretada como atraso ou tumulto ao andamento do feito. Noutras palavras, ouvir o que o investigado tem a dizer, em nenhuma hipótese, pode ser considerado um atropelo à persecução penal. Pelo contrário — o que é mais importante — suas declarações poderão evitar a desobediência completa da norma constitucional ao garantir o mínimo quanto ao contraditório e ampla defesa.


Porém, de que mínimo se trata? Do conceito sócio-jurídico de que falam os constitucionalistas, os quais o conceituam que o conceituam o mínimo existencial ao desfiar a aplicação de proteção da dignidade da pessoa humana.


O entendimento é de que deve haver, pelo estado, a garantia de um mínimo de segurança social, que se traduza em recursos materiais para uma existência digna, sem os quais a própria dignidade restaria sacrificada. O estado, ao adotar políticas públicas, deverá fazê-lo com vistas à manutenção do mínimo existencial, bem como deverá se abster de adotar qualquer postura que viole este mínimo mínimo defensivo, que se dará através da oportunidade concedida ao investigado de autodefender-se no inquérito por meio do seu interrogatório, ainda que posteriormente deseje não comparecer ou permanecer em silêncio.


É certo que nalguns casos o investigado está foragido, com prisão preventiva decretada — o que impossibilita o interrogatório, caso não se entregue — ou mesmo em local incerto e não sabido, apesar de em liberdade, o que igualmente impossibilitará a oitiva.


Porém, quando solto ou preso, se possui endereço certo e conhecido nos autos, tendo a autoridade policial já ouvido as testemunhas e coletado as demais provas necessárias, é imprescindível que lhe seja oportunizada a autodefesa por meio de interrogatório, sob pena de se afastar por completa a aplicação da norma constitucional, naquele que é o momento fundamental de sua defesa, o interrogatório, repise-se.


Pode-se pensar que a constituição de advogado para acompanhamento do inquérito ou a vistas dos autos já seriam uma oportunidade de defesa oferecida pela lei, com o que não se discorda, e que o interrogatório seria apenas mais uma, dispensável por isso mesmo.


Entretanto, são todos direitos que dependem do requerimento da parte interessada, e que por isso mesmo não atraem a obrigação do estado independentemente disso. O que se deseja encontrar com esta reflexão, portanto, é a única prestação positiva obrigatória da persecução penal frente ao direito de defesa no inquérito, que é o interrogatório, quando possível, ou seja, quando haja endereço certo do investigado nos autos e/ou apenas um requerimento seu ou do causídico que o represente.


Que haja a orientação de juízes e tribunais pela não aplicabilidade total da ampla defesa e contraditório durante o curso do inquérito policial não é absurdo, mas que se negue a possibilidade de autodefesa no interrogatório, quando possível, com base naquele argumento, sem que daí haja nulidade, é completo desacerto constitucional que não tem mais razão de ser, considerando os contornos da Constituição de 1988.


Ademais, a ausência de dúvida em relação aos fatos investigados não pode valer de motivo para se negar o interrogatório. Se a autoridade já possui convicção suficiente com as provas colhidas e o interrogatório não a fará inclinar-se à posição contrária, pelo menos garantirá a mínima proteção ao investigado, dando guarida ao texto constitucional; se tem insegurança em relação a algum detalhe, o interrogatório poderá lhe fornecer elementos capazes de concluir na direção correta do esclarecimento factual.


Ora, um inquérito que foi finalizado sem ter sido oportunizado o interrogatório, quando possível, é a negativa da mínima possibilidade de reproche que reflita uma aplicação, ainda que parcial, do contraditório e ampla defesa.


Em jurisprudência, ainda que antiga, quando não vigorava a norma constitucional que se requer aplicada, o Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus de relatoria do min. Bilac Pinto, entendia que a ausência de interrogatório policial só não gerou nulidade porque a defesa técnica acompanhou diligentemente todos os atos da instrução, portanto, ausente o prejuízo. A contrario sensu, não houvesse advogado acompanhando, teria a corte decretado a nulidade, pois o prejuízo seria evidente

é presidente da ABRACRIM/MA, especialista em ciências penais e advogado criminalista. Conjur 24/03/2022.


https://www.conjur.com.br/2018-set-04/academia-policia-inquerito-policial-goza-contraditorio-mitigado-defesa-limitada. Acesso em 06 mar 2022.

Curso de Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2019, livro digital, p. 193

Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, livro digital, p. 667.

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