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DO DIREITO A PROGRESSÃO DE REGIME À SAIDINHA NO REGIME SEMI-ABERTO – O ANTAGONISMO E A LEI

DO DIREITO A PROGRESSÃO DE REGIME À SAIDINHA NO REGIME SEMI-ABERTO – O ANTAGONISMO E A LEI

Por Marcelo Bareato

Talvez nunca tenhamos nos atentados sobre a razão da Lei de Execução Penal trazer, em seu conteúdo, pontos importantes a nortear o que se conhece por progressão de regime. Desta feita, algumas informações preliminares são importantes para que possamos desenvolver melhor o nosso conteúdo de hoje.

Quando alguém é custodiado preventivamente (prisão provisória) e depois sofre uma condenação (a qual chamamos definitiva por força do trânsito em julgado), o Estado, através do juiz do processo, emite uma declaração de que aquele agente não está socializado, não tem os valores que a sociedade espera e, por isso, não pode conviver com os demais até que aprenda o que se espera dele.

Dai nascem dois problemas: o primeiro, é que a prisão não ressocializa, na medida em que o Estado diz, na sentença, que o sujeito não tem os valores necessários ou esperados e, portanto, deverá ser socializado dentro do sistema prisional para que seja recebido e respeitado do lado de fora, após o cumprimento da reprimenda; o segundo, reside no fator de que, para que o procedimento de socialização esteja completo quando o sujeito sair, deverá passar por fases, as quais lhe coloque em condições de responder e, ao Estado auferir, que o aprendizado que lhe foi destinado se completou e que a proximidade gradativa com a sociedade foi suficiente para fazer com que ele respeite as leis e o que se espera de um cidadão.

Dito isso, nos impressiona a fragilidade cultural que atravessamos! Grande parte desse processo devemos à internet, que ao mesmo tempo assume a posição de salvadora e vilã. Se, por um lado, aproxima distâncias e possibilita conteúdos didáticos, por outro incrementa a preguiça em estudar, em buscar conhecimento, motivando, para alguns, a facilidade de replicar sugestões palatáveis, sem qualquer conteúdo verídico, além de muitos serem dotados de teses populistas e voltadas aos períodos de eleição, quando, então, políticos inescrupulosos se valem da possibilidade de uma sociedade amedrontada, com informações destorcidas que são veiculadas pela mídia, a concordar com pílulas de resolução imediata, das quais jamais se verificará qualquer resultado positivo.

E é sobre essa ideia que se estruturam exemplos como a chamada da semana passada, na qual diversas mídias noticiavam “Câmara aprova projeto que proíbe saída temporária de presos”. Os comentários, a partir daí, foram os mais absurdos e desprovidos de qualquer razoabilidade; vejamos a realidade:

A prisão, a luz do Código Penal, em seu artigo 33, deve ser valorada da seguinte maneira: aquele que foi condenado à pena superior a 8 anos, deve ficar preso em estabelecimentos de segurança máxima ou média; aquele a quem foi cominada pena superior a 4 anos, mas não excedente a 8 anos, deverá cumpri-la em regime semiaberto, em colônias penais agrícolas ou industriais; já aquele a quem foi cominada pena até 4 anos, deverá ficar em regime domiciliar.

Perceba, estabelecemos, pela lei, um sistema que determina que o crime praticado deve ser escalonado, valorado o bem jurídico ofendido em grave, médio e leve.

Se voltarmos a nossa atenção aqueles que cometeram crimes graves e receberam penas superiores a 8 anos, esses indivíduos devem ficar presos, inicialmente no regime fechado, sem direito a sair ou manter contato com a sociedade, porque não tem qualquer conhecimento sobre os valores que lhes são esperados.

Assim, passado o período inicial de cumprimento da pena aplicada, que pode ser 1/6 (se primário e de bons antecedentes, em crimes comuns) ou 2/5 (em caso de crimes hediondos se primário e de bons antecedentes) ou 3/5 (em caso de crimes hediondos, se for reincidente ou não tiver bons antecedentes), começa a dessensibilização gravosa da pena, buscando respostas por parte do encarcerado sobre o aprendizado recebido dentro do sistema e objetivando a sua recolocação em sociedade. 

Passado esse período, o Estado faz a progressão do regime do preso e o coloca no regime semiaberto, onde deverá iniciar um período voltado ao trabalho em colônia penal agrícola ou industrial, em obras públicas ou estudar (inclusive em curso superior) para que possa provar que aprendeu o conteúdo que lhe foi passado (ou deveria ter sido) no regime fechado.

É nesse regime semiaberto que a lei possibilita as famosas saidinhas, tão atacadas na última semana. No total são de até 5 (cinco) vezes por ano, com duração média de 7 dias por saída, quando o reeducando poderá demonstrar que o aprendizado está no caminho certo e que, quando ele voltar ao convívio familiar e social, estará apto a recomeçar a sua trajetória, agora como um membro do grupo que entendeu, tempos atrás, por sua punição. Vale a ressalva de que as saídas não são cumulativas ou automáticas e ficam a critério do diretor do estabelecimento que deverá valorar se o preso a ser beneficiado preenche os requisitos necessários e, dentre eles, possui bom comportamento. Se não preencher os requisitos, não estará credenciado a sair.

Essas “saidinhas” devem recair preferencialmente no: 1) dia das mães; 2) dia dos pais; 3) dia das crianças; 4) finados e 5) Natal e Ano Novo. O que se mede é o senso de responsabilidade e o desejo por uma nova vida e são de extrema importância para aferição das reais condições a que o sistema está submetendo o preso e quais falhas devem ser corrigidas, na medida em que, se os valores forem introjetados de forma correta, a perspectiva será de um reeducando ávido por retornar a sociedade e deixar definitivamente o sistema prisional ao qual se encontra vinculado. Percebam que depende mais do Estado e do sistema do que do próprio reeducando o sucesso das saidinhas e o retorno dos presos ao sistema.

Passado o período do regime semiaberto, observados novamente os prazos de 1/6, 2/5 ou 3/5 da pena, onde o encarcerado passará ao regime aberto e será encaminhado à Casa do Albergado, local onde não há mais celas ou trancas, ficará junto com outros que estão cumprindo esse regime, se recolherá as noites, nos feriados e finais de semana, trabalhando ou estudando durante o dia, sempre sob a supervisão do Estado, o qual tem a obrigação de continuar avaliando se a aquisição dos valores está se completando, se a convivência com a sociedade está sendo profícua e se não são verificados casos de rejeição, tanto do anterior preso, quando da sociedade para com ele.

Cumprida também essa fase, ele será colocado no período a que chamamos livramento condicional, ou seja, o restante da pena ele estará em casa, junto com sua família, trabalhando ou estudando, deverá se manter em casa nas noites, finais de semana e feriados, até que a pena aplicada termine.

Percebam que a reinserção na sociedade não ocorre da noite para o dia e obedece, gradativamente, ao aprendizado que está recebendo dentro do sistema e sob a total responsabilidade do Estado. Também esse período é indispensável para que a sociedade entenda que será responsabilizada por ressocializar o preso (ele será socializado dentro do sistema e ressocializado fora dele).

Daí, quando o Estado não cumpre a sua obrigação através da função social da pena (veja-se o artigo 61 da Lei de Execução Penal), da fiscalização dos juízes e tribunais responsáveis pela execução, fiscalizando mensalmente os diversos sistemas prisionais, o preso jamais estará apto ao retorno à sociedade e teremos os resultados indesejáveis anunciados, diariamente, na imprensa.

Meu Caro Leitor!

Se você percebeu, são de suma importância, tanto o regime semiaberto (o mais importante de todos para avaliação da capacidade de retorno ao convívio social) quanto as saidinhas (quando verificaremos o comportamento familiar e social do condenado), podendo, inclusive, serem chamados de a razão de existência da própria Lei de Execução Penal.

O que nos causa profunda angustia é o oportunismo de alguns políticos que não estudam a razão das leis, são totalmente despreparados para a função que ocupam e aproveitam da ignorância dos seus eleitores (deverás mal representados), gastando milhões em sessões especiais para aprovação de conteúdo contrário a legislação em vigor, divulgando notícias sem qualquer veracidade e induzindo em erro a população que passa a entender que se a criminalidade está tão alta, só com penas maiores e restrições as “regalias” (que na verdade são direitos previstos no sistema carcerário, como assistência religiosa, visitas, acompanhamento médico, psicológico, odontológico e familiar) é que teremos pessoas melhores no cárcere. Ou, o que é ainda pior, quando escutamos que Direitos Humanos não devem ser aplicados no ambiente carcerário ou ainda não nos incomodarmos quando nos chegam notícias de maus tratos, mortes, ausência de comida e tratamento digno ao preso, existindo ainda aqueles que, mesmo em 2022, repetem a máxima de que “bandido bom é bandido morto”.

Nosso problema não está apenas em recrudescer a legislação, extirpar direitos e garantias dos presos, espanca-los para que aprendam o necessário, mas sim em exigir do judiciário que se cumpra a lei, tanto na condenação, quanto no cumprimento da pena, fiscalizando para que todas os direitos sejam oportunizados ao preso como forma de faze-lo adquirir os valores que não tinha quando fora encarcerado. No mesmo sentido, demonstrar que tais valores estão sendo aprimorados e que aqueles que não cumprirem a lei, dentro e fora dos estabelecimentos, serão punidos de forma exemplar, sejam eles diretores, agentes penitenciários e todos que compõem a execução da pena. Deles dependemos para que exista a pena efetiva e eficiente e, quando falharem no seu dever de reintegração, nas profissões que escolheram e não foram obrigados a aceitar, precisamos ter a exata noção de que todo o sistema estará comprometido, que nossos gastos aumentarão com reformas legais desnecessárias, reformas físicas nos presídios, superlotação, ausência de retorno nas saidinhas, fugas de um modo geral, recursos jurídicos e impostos elevados para recompor, por exemplo, o uso da Força Nacional para aplacar rebeliões.

O sistema prisional é o reflexo de uma sociedade estruturada ou da ausência dela e é deles, os atores da execução penal, que dependemos para receber no lado de fora, uma pessoa preparada para o convívio familiar e social. Uma pena pequena, aplicada com qualidade, recupera muito mais do que uma pena alta, não fiscalizada e que obriga ao preso se transformar em um monstro para se manter vivo e com sua integridade física preservada.

Assim, para que possamos finalizar este artigo e fazer uma reflexão sobre o que, por agora se escreve, deixamos a ideia de que a lei que serve ao outro é a mesma que será usada quando precisarmos; se a ele (nosso próximo) achamos que tanto faz, o que obriga a ser diferente quando chegar nossa vez? Se acreditamos que ser antagônicos (fortes opositores a ideias e sistemas) é o caminho, devemos primeiro conhecer nossas leis e a razão que elas encerram, assim, talvez, pagaremos um preço menor e teremos resultados bem mais satisfatórios rumo a uma sociedade mais justa e estruturada, com a segurança e os direitos que a Constituição Federal nos garante.

O autor é Advogado Criminalista com ênfase no Direito Penal Econômico, doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá/RJ, ocupa a cadeira de n.º 21 na Academia Goiana de Direito, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal na PUC/GO, Conselheiro Nacional da ABRACRIM, Presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, membro da Coordenação de Política Penitenciária  da OAB/Nacional gestão (2022/2025), Coordenador da subcomissão de Direitos Humanos para o Sistema Prisional  da OAB/Goiás (gestão 2022/2024) e Coordenador da Comissão Interestadual de Acompanhamento da Saúde no Sistema Prisional junto ao Conselho Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia/GO, Membro do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura/GO entre outros (ver currículo lattes http://lattes.cnpq.br/1341521228954735).

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