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Como um projeto que “limita” vagas carcerárias vem reduzindo a superlotação no Paraná

Um projeto-piloto tirado do papel há apenas dois meses e meio já vem contribuindo para reduzir a superlotação de carceragens de delegacias do Paraná. A iniciativa fornece um mapeamento do sistema penitenciário e fixa um número de vagas para cada Vara Criminal que adere ao projeto. Quando a cota carcerária de determinada vara chega ao limite, antes de determinar nova prisão, o juiz deve analisar se entre as vagas sob sua responsabilidade há algum preso apto a progredir de regime. A proposta é candidata ao Prêmio Innovare, que reconhece iniciativas que contribuam para o aprimoramento da Justiça no Brasil.
De autoria do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciário (GMF) – ligado ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) –, o Projeto de Ocupação Taxativa foi lançado em maio e funciona por livre adesão dos juízes. Até agora, participam da iniciativa 32 Varas Criminais ou de Execução Penal, de 21 comarcas paranaenses, que, quando começaram a fazer parte do programa, eram responsáveis pelos processos de 2.465 presos provisórios, que são aqueles que ainda não foram julgados. De lá para cá, a proposta já provocou a redução da superlotação em 459 vagas – o que corresponde a uma redução de 18,6%.
“O projeto fornece ao juiz um raio-x das vagas atribuídas a sua Vara. Esse fluxo de informações permite uma organização muito maior e que o juiz possa fazer essa análise e esse controle”, observou o desembargador Ruy Muggiati, supervisor do GMF. “É um projeto que ataca a superlotação, que é o que colapsa o funcionamento do sistema e resulta em tratamento degradante ao preso”, complementa o juiz Eduardo Fagundes Júnior, que coordena o grupo.
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O número de vagas é atribuído a cada vara a partir da sugestão do próprio juiz titular e de acordo com a demanda. O sistema individualiza cada vaga, ou seja, o magistrado sabe quem é o preso vinculado a esta e em que unidade ele está detido. Desta forma, pode-se fazer o acompanhamento processual de forma mais dinâmica. Na prática, o juiz tem acesso a um mapa em tempo real, que mostra onde estão cada preso cujo processo está vinculado ao seu juizado.

Eu nunca vi um campo de concentração, mas acredito que as condições devam ser iguais às da carceragem de uma delegacia. Não dá pra expressar o nível de degradação a que se chega
AUGUSTO GLUSZCZAK JÚNIOR juiz

Prisão e revisão

De acordo com a resolução (01/2017, do GMF) que instituiu a iniciativa, antes de apreciar um pedido de prisão, o juiz precisa checar sua cota carcerária. Se esta estiver no limite, o magistrado deve analisar a situação processual dos presos provisórios de sua jurisdição, observando se algum deles pode progredir de regime ou ser sentenciado a alguma medida alternativa, conforme prevê a Lei de Execuções Penais (LEP). Em caso positivo, um novo preso poderia preencher esta vaga. Caso nenhum dos detidos possa ter direito à progressão, o magistrado pode pedir ao GMF uma vaga excedente, por um período temporário.
“Não é o GMF que está colocando um limite. O sistema [penitenciário] tem um limite físico. Ele existe. A intenção é de que o projeto permita ao juiz se organizar, tendo em vista este limite”, observou Muggiati.

O contingente de presos em distritos policiais é considerado um problema crônico que o Paraná não consegue resolver. Hoje, o estado tem cerca de 9,7 mil pessoas detidas em 178 carceragens de delegacias que, juntas, têm 3,3 mil vagas. Em regra, trata-se de acusados de menor potencial ofensivo e que sequer foram julgados. Mas a distorção é tão grande que até presos condenados cumprem pena nas delegacias – conforme mostrou a Gazeta do Povo. Nas celas da Policia Civil, eles permanecem em condições degradantes, insalubres e sem direitos básicos, como banho de sol.
“Eu nunca vi um campo de concentração, mas acredito que as condições devam ser iguais às da carceragem de uma delegacia. Não dá pra expressar o nível de degradação a que se chega”, definiu o juiz Augusto Gluszczak Júnior, do Juizado de Violência Doméstica de São José dos Pinhais.

Avaliações e repercussão

Um dos magistrados que aderiu ao projeto-piloto, Gluszczak Júnior aponta que a iniciativa contribuiu de forma decisiva para equilibrar o sistema prisional em São José dos Pinhais. Ele disse que os juízes de três Varas da cidade têm conseguido observar a taxa carcerária, dinamizando a ocupação das vagas. O resultado é que, com isso, se conseguiu reverter a superlotação histórica das delegacias do município.
“Para nós, foi a solução. Convivíamos com rebeliões, o que já não ocorre há meses. A minha vara tem cota de oito vagas, que têm sido suficientes. Quando sobe um pouco, a gente já faz o controle”, destacou o juiz.
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A iniciativa, no entanto, gerou discussões no próprio TJ-PR, durante sessão administrativa do Órgão Especial. Segundo matéria divulgada pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), o desembargador Wellington Moura ponderou se o projeto-piloto não engessaria a autonomia dos juízes, impossibilitando-os de decretar prisões. Ele também questionou se a “pesquisa de vagas” e a destinação dos presos seriam atribuições dos magistrados. “Me parece que este é o papel do Estado [Poder Executivo] e não do Judiciário”, disse, em matéria publicada pela associação.
O supervisor do GMF, por sua vez, pondera que os juízes não podem atuar ignorando a realidade do sistema penitenciário. Muggiati destacou que não há limitação à atuação dos juízes nem o impedimento de se decretar prisões. O desembargador lembrou que os magistrados podem pedir vagas excedentes, caso atinjam a cota carcerária.
“O juiz não ficou tolhido de decretar a prisão, de forma alguma. Mas ele não pode deixar de observar que o sistema tem um limite. O projeto propõe uma quebra de paradigma, então, é até natural que surjam eventuais dúvidas”, apontou.

Política pública

Outras iniciativas do TJ-PR geraram resultados pontuais bastante satisfatórios, mas paliativos. Um dos exemplos é o mutirão carcerário, que, em 98 edições realizadas desde 2011, resultou na progressão de regime de 15,3 mil detentos – mais da metade do número de pessoas que hoje estão presas no Paraná. O Projeto de Ocupação Taxativa, no entanto, é o primeiro que tem fôlego para se tornar uma política pública perene.
“As outras iniciativas, como o mutirão, resolviam temporariamente. Aliviavam o sistema. Mas tirava-se o preso por um lado e entrava pelo outro. Os elementos, isoladamente, não estavam resolvendo. O projeto-piloto pode muito bem ser uma política pública”, apontou o juiz Eduardo Fagundes Júnior.
O “Projeto de Ocupação Taxativa” é inspirado em um modelo colocado em prática na França, em 1989, alinhado ao conceito que se chamou numerus clausus (um número fixo de pessoas que podem ocupar determinado espaço). O paradigma foi aplicado em outros países, como Estados Unidos, Alemanha e Itália, como forma de manter o equilíbrio do sistema carcerário.

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